Sínodo: falar com liberdade e escutar com humildade

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Rui Saraiva – Portugal

No Angelus de domingo dia 15 de janeiro, o Papa Francisco anunciou que na preparação da primeira sessão do Sínodo terá lugar no Vaticano uma Vigília Ecuménica. Será no sábado dia 30 de setembro e o Santo Padre confiou a sua organização à Comunidade Ecuménica de Taizé.

“Vamos confiar a Deus os trabalhos da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos”, referiu o Papa convidando “os irmãos e irmãs de todas as confissões cristãs” a participarem.

Neste início de ano, até ao mês de março, decorrem as assembleias continentais do Sínodo na África, Oceania, Médio Oriente, Ásia, América Latina, América do Norte e Europa. No continente europeu será em Praga, na República Checa, de 5 a 12 de fevereiro. Em outubro passado foi publicado o Documento para a Etapa Continental (DEC), que recolhe o essencial das sínteses nacionais da fase diocesana. “Alarga o espaço da tua tenda” é a frase do profeta Isaías que dá título ao DEC.

A surpresa das pessoas por serem ouvidas

 

Sobre o andamento do Sínodo iniciado pelo Papa Francisco em 2021, pedimos um comentário ao padre Sérgio Leal, especialista em sinodalidade. O sacerdote português faz uma análise sobre o discernimento coletivo, a participação, o encontro, a escuta e o diálogo proporcionados pelo processo sinodal em curso em todo o mundo e que está a movimentar milhões de pessoas. Considera que tem sido um caminho muito positivo porque alargado a todo o povo de Deus.

“Encontramos um caminho muito positivo porque se alargou o termo sinodalidade a todo o povo de Deus. A palavra sinodalidade tornou-se conhecida de todo o povo de Deus. Há um caminho a iniciar-se. Sabemos que a sinodalidade faz parte da vida da Igreja desde os passos da Igreja nascente, mas a verdade é que operacionalmente e na ação eclesial, às vezes, distanciamo-nos da sinodalidade. Este caminho sinodal trouxe às igrejas locais este processo de escuta que estamos a acompanhar. Nos lugares de escuta sinodal em que participei, verifiquei a surpresa das pessoas por serem ouvidas e a alegria que manifestaram porque alguém lhes perguntou aquilo que tinham para dizer e que podiam falar com liberdade. E creio que isto é o que de mais positivo encontro neste caminho. Ou seja, o podermos fazer aquilo que é a sinodalidade: falar com liberdade e escutar com humildade. Porque também vi isto nos grupos que acompanhei. Cada um ia falando com a liberdade que lhe assistia, mas ia escutando também o outro que lhe servia de confronto. Isto passou à exigência de colocar isto a escrito e de fazer as sínteses paroquiais, diocesanas e nacionais até chegarmos a este momento do documento para a etapa continental”, sublinha o padre português.

A importância de grupos de coordenação

 

O sacerdote salienta a importância da existência de “grupos de coordenação” e de “plataformas de comunhão” no processo sinodal. Assinala, contudo, a existência de resistências.

“Uma primeira resistência a este processo nasce de não percebermos que estamos a caminho. Todas estas sínteses não são conclusões, não são a exortação pós-sinodal do Papa, não são o relatório final das assembleias sinodais. Isto são etapas do caminho. São o colocar em síntese aquilo que foi dito nas diferentes instâncias. Muitas vezes, a mim surpreende-me a surpresa de alguns com aquilo que as pessoas dizem. Porque muito daquilo que temos presente vamos escutando quando estamos nos nossos grupos paroquiais, nos nossos grupos de amigos, onde encontramos crentes e não crentes, muitos destes aspetos positivos e negativos que estão na síntese nacional, estão presentes no pensar de muitos. Algumas sínteses diocesanas apontavam algo que era importante ter numa síntese, isto é, dar espaço a todos as coisas, para que não seja a síntese da maioria. Foi apontada à síntese nacional uma excessiva carga negativa. mas que nasce também do modo como o processo foi desenvolvido. Ou seja, quando perguntamos às pessoas o que é importante mudar, que caminho temos a fazer, evidentemente, que aquilo que sublinharemos é aquilo que está menos bem. Estando num percurso sinodal é importante escutar a todos e é importante que existam grupos de coordenação que criem caminho conjunto. Não queremos gerar maiorias ou minorias, mas consenso e comunhão. E é necessário um conjunto de plataformas que nos permitam criar ritmo e dar operacionalidade a todo este caminho. É importante, não só agora neste processo sinodal, mas na nossa ação eclesial da Igreja em Portugal, criarmos plataformas de comunhão que nos permitam criar caminho conjunto, criarmos sinergias que permitam uma maior eficácia na evangelização”, revela o sacerdote. 

Fase continental: problemas devem ser oportunidades

 

Este Sínodo decorre numa verdadeira mudança de época, na qual “a fé cristã já não é o motor existencial” do continente europeu, revela o sacerdote assinalando que a nova fase do processo sinodal “deverá apontar caminhos novos de evangelização”. Escutar a realidade e perceber quem são “os homens e mulheres que caminham connosco” é um dos desafios de uma fase continental na qual os problemas devem ser oportunidades, refere o padre Sérgio Leal.

“Estamos numa fase inédita, como de alguma forma é inédito todo este processo sinodal que estamos a viver. É verdade que, muitas vezes, da fase continental apontamos uma primeira limitação de como é que num continente estamos a colocar na mesma plataforma países onde que há um contraste evidente, como Portugal e a Alemanha, ou a França e a Itália. Ou seja, estamos a colocar no mesmo documento, na mesma fase de diálogo, países bastante diferentes e um prisma bastante alargado de pessoas e de experiências. Mas, creio que este não é um problema ou se é uma resistência deverá tornar-se uma oportunidade. Porque a Igreja sempre foi o povo que caminha nos quatro cantos da Terra. Portanto, nesta fase continental há que esperar com positividade, visto que o caminho sinodal é um caminho aberto às surpresas do Espírito e esse rasgará os horizontes de esperança que precisamos. No nosso continente europeu vivemos, de facto, aquilo que o Papa diz: mais do que uma época de mudanças, vivemos uma verdadeira mudança de época. Se isto se regista em outros lugares do globo, regista-se em modo muito particular no nosso continente europeu, onde há uma nova etapa evangelizadora. Há um conjunto de estruturas que ainda assentam muito numa lógica de cristandade que já não é europeia. A fé cristã era aquilo que moldava os horizontes sociais, familiares, relacionais. Hoje percebemos que a fé cristã já não é o motor existencial do continente europeu e esta fase continental deverá apontar caminhos novos de evangelização na Europa. De uma Europa onde a Igreja quer apresentar como indispensável o caminho da fé a um conjunto de pessoas para quem a fé é algo de acessório. E esta apresentação da indispensabilidade da fé passa pela capacidade de habitarmos o horizonte antropológico desta Europa. Isto é, escutarmos a realidade que temos diante de nós, percebermos quem são os homens e mulheres que caminham connosco e que para caminharmos com eles estamos atentos às suas necessidades, anseios e angústias e, assim, seremos mais capazes de anunciar Jesus Cristo”, declara o sacerdote.

O padre Sérgio Leal é um dos principais especialistas de língua portuguesa em sinodalidade, encontrando-se na fase final do seu doutoramento. A sua tese de licenciatura em Teologia Pastoral na Universidade Lateranense em Roma foi sobre a sinodalidade como estilo pastoral. Em outubro de 2021 publicou o livro “O caminho sinodal com o Papa Francisco”. Na diocese do Porto, em Portugal, é formador do Seminário Maior, pároco da Sé e docente da Universidade Católica Portuguesa. No âmbito deste processo sinodal tem colaborado com várias dioceses. Especial destaque para a sua participação em julho passado no 7ºEncontro Nacional da Pascom, a Pastoral da Comunicação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

“Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão” é o tema do Sínodo. No primeiro ano teve lugar uma primeira fase nas dioceses e agora decorrem as assembleias continentais. A primeira sessão da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos será de 4 a 29 de outubro deste ano de 2023. Em outubro de 2024 realiza-se uma segunda sessão dessa assembleia.

Laudetur Iesus Christus

 
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