OS DOGMAS MARIANOS

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OS DOGMAS MARIANOS
“...todas as gerações me chamarão de bem-aventurada,
pois o Todo-poderoso fez em mim maravilhas!” (Lc 1,48)

OS DOGMAS

1. OS DOGMAS CRISTÃOS NÃO SÃO verdades de difícil compreensão, na área da doutrina ou da moral, determinadas pela autoridade máxima da Igreja, que devem ser acolhidas cegamente, sem questionamentos.
2. Na Igreja OS DOGMAS SÃO IMPORTANTES, porque ajudam os cristãos a se manterem fiéis na fé genuína do cristianismo. “Os dogmas são como placas que indicam o caminho de nossa fé. Foram criados para ajudar a gente a se manter no rumo do Santuário vivo, que é Jesus” (CNBB. Com Maria, Rumo ao Novo Milênio. pág. 81). “O dogma nasce na Igreja, que acolhe a Palavra de Deus, aprofunda e evolui na compreensão do dado revelado”.
3. A REVELAÇÃO DE DEUS CHEGOU A SEU PONTO MÁXIMO EM JESUS CRISTO. Já não há mais novos livros revelados a serem escritos ou novas verdades divinas a serem comunicadas. Jesus, porém, nos deixou O ESPÍRITO, QUE NOS CONDUZ À VERDADE PLENA. O Espírito recorda o que Jesus nos disse e nos ajuda a compreender com MAIS PROFUNDIDADE A REVELAÇÃO DIVINA E A VERDADE DE NOSSA FÉ (Jo 16, 12-13). Portanto, a interpretação da revelação continua aberta.
4. A Igreja, no correr dos seus quase dois mil anos de existência, assemelha-se a um grande rio, no qual as águas da única fonte, que é a Bíblia, vão se enriquecendo com a Tradição. Cabe ao magistério, os bispos unidos ao papa, REGULAR ESSE PROCESSO DE INTERPRETAÇÃO E EVOLUÇÃO, que as comunidades produzem no correr de sua história em diferentes épocas e culturas.
5. O TERMO “DOGMA” PROVÉM DA LÍNGUA GREGA, “DÓGMA”, QUE SIGNIFICA “OPINIÃO” E “DECISÃO”. No Novo Testamento, é empregado no sentido de decisão comum sobre uma questão, tomada pelos apóstolos (cf. At 15,28). Os Padres da Igreja, antigos escritores eclesiásticos, usavam dogma para designar o conjunto dos ensinamentos e das normas de Jesus e também uma decisão da Igreja. Paulatinamente, a Igreja, com o auxílio dos teólogos e pensadores cristãos, precisou e esclareceu o sentido do dogma.
6. Na linguagem atual do Magistério e da Teologia, O ‘DOGMA’ É UMA DOUTRINA na qual a Igreja, quer com um juízo solene, quer mediante o magistério ordinário e universal, propõe de maneira definitiva uma verdade revelada, em uma forma que obriga o povo cristão em sua totalidade, de modo que sua negação é repelida como heresia e estigmatizada com anátema.
7. Definidos pelo magistério da Igreja de maneira clara e definitiva, os dogmas são verdades de fé, contidas na Bíblia e na Tradição.

OS DOGMAS MARIANOS

a) OS DOGMAS MARIANOS FORAM CONQUISTAS HISTÓRICAS E TEOLÓGICAS DO CRISTIANISMO e fazem parte do patrimônio e da doutrina da Igreja, brotaram do senso sobrenatural dos fiéis, foram formulados pela Igreja, possuem seu fundamento na Sagrada Escritura, revelam a fé mariana dos cristãos vivida na liturgia e na devoção.
b) OS DOGMAS MARIANOS são um sinal da presença do Espírito que conduz a Igreja no aprofundamento da verdade de fé acerca do significado da pessoa e missão da Virgem Maria Mãe do Senhor na História da Salvação.
c) A Igreja possui quatro dogmas que afirmam verdades de fé acerca de Maria: Maternidade Divina, Virgindade Perpétua, Imaculada Conceição e Assunção aos Céus.
d) Esses dogmas constituem VERDADES QUE OS CRISTÃOS ACEITAM, APROFUNDAM, PROCLAMAM E VIVENCIAM na comunidade de fé ouvindo a Palavra, interpretando os sinais da história, abertos à inspiração do Espírito e celebrando a ação salvífica de Deus em Maria de Nazaré.
e) A fé da Igreja na MATERNIDADE DIVINA E NA VIRGINDADE DE MARIA está ligada à fé em Jesus Cristo, Filho de Deus encarnado e foi definida nos primeiros séculos do cristianismo (séc. V-VI). Os DOIS DOGMAS MARIANOS MODERNOS (sécs. XIX e XX), Imaculada Conceição e Assunção, fundam-se na dignidade e no significado da Virgem Mãe de Deus.

MATERNIDADE DIVINA – Maria Mãe de Deus

✓ Maria é a mãe de Jesus. Todos os evangelhos afirmam isso com clareza.
✓ Marcos lembra que o povo de Nazaré chamava Jesus de “filho de Maria” (Mc 6, 3). Mateus, ao falar da origem de Jesus, chama-a “Maria, sua mãe” (Mt 1, 18). Lucas conta, de maneira poética e repleta de símbolos, a anunciação a Maria (Lc 1, 26-38).  João nem a chama pelo nome, mas diz somente “a mãe de Jesus” (Jo 2, 1 e Jo 19, 25).
✓ Lc 1, 43 é o versículo que exalta a maternidade de Maria: “Como mereço que venha me visitar a mãe do meu Senhor?”.
✓ A contemplação do mistério do nascimento do Salvador levou o povo cristão não só a dirigir-se à Virgem Maria como à Mãe de Jesus, mas também a reconhecê-la como Mãe de Deus.
✓ Essa verdade foi aprofundada e compreendida como pertencendo ao patrimônio da fé da Igreja, já desde os primeiros séculos da era cristã, até ser solenemente proclamada pelo Concílio de Éfeso no ano 431. Na primeira comunidade cristã, enquanto cresceu entre os discípulos a consciência de que Jesus é o Filho de Deus, resultou sempre mais claro que Maria é a Theotokos, a Genitora-Mãe de Deus.
Fundamentação nas Escrituras: \"Eis que uma Virgem conceberá...\" (Is 7,14). \"Eis que conceberás...\" (Lc 1,31). \"O que nascerá de Ti será...\" (Lc 1,35). \"Enviou Deus a seu Filho nascido...\" (Gl 4,4). \"Cristo, que é Deus...\" (Rm 9, 5).
Testemunho da Tradição: Santo Atanásio (ano 373), defensor da divindade de Jesus, afirmava: “Nosso Senhor Jesus Cristo se converteu em nosso salvador ao nascer de uma mãe. Deus se fez ser humano para que o ser humano se fizesse Deus”. Santo Éfrem (séc. IV) dizia que a encarnação de Jesus Cristo no útero de Maria era o grande sinal de solidariedade de Deus com a humanidade.
Testemunho do Magistério: O Concilio de Éfeso (431), sob o Papa São Clementino I (422-432), definiu solenemente que: \"Se alguém afirmar que o Emanuel (Cristo) não é verdadeiramente Deus, e que portanto, a Santíssima Virgem não é Mãe de Deus, porque deu à luz segundo a carne ao Verbo de Deus feito carne, seja excomungado.\" O Concílio de Éfeso respondia a Nestório de Antioquia que afirmava que Maria só poderia ser denominada “Mãe de Cristo” e não “Mãe do Filho de Deus”. Nestório sustentava que a maternidade de Maria dizia respeito apenas à dimensão humana de Jesus. Nestório representava uma tendência dualista que distinguia e delimitava fortemente as duas naturezas de Jesus Cristo, humana e divina, pondo em risco a unidade da pessoa do Filho de Deus.

VIRGINDADE PERPÉTUA – Maria sempre Virgem

✓ Fundamentação nas Escrituras

✓ Existe o texto de Paulo que se refere a Jesus, o Filho de Deus, enviado na plenitude do tempo como “nascido de mulher” (Gl 4, 4), onde a referência à virgindade não é propriamente explícita, mas pode ser deduzida indiretamente e entendida dentro do mistério maior da “kenose” – abaixamento e humilhação do Filho de Deus que “nasce de mulher e sob a Lei”.
✓ O Evangelho de Marcos, por sua vez, refere-se a Jesus como “o filho de Maria” (Mc 6, 3), quando, segundo os costumes bíblicos, seria mais lógico mencionar o pai, tal como fazem Mt e Lc (Mt 13, 55; Lc 3, 23).
✓ O Evangelho de João tem no v. 13 do seu primeiro capítulo uma expressão muito discutida se deve ser compreendida no singular ou no plural: “...os quais(o qual) não nasceram(nasceu) do desejo da carne nem da vontade do varão, mas de Deus”. Se prevalecer o singular, pode-se referir o texto ao Verbo, concebido do Espírito Santo, no seio virginal de Maria, “gerado de Deus”.
Mateus e Lucas são os que tocam diretamente no ponto da virgindade de Maria. Em Mt 1, 18 é dito que Maria, antes de coabitar com José, tornou-se grávida do Espírito Santo, afirmação que constará do anúncio posteriormente feito a José sobre o mistério da gravidez de sua esposa (v. 20). O texto continua incisivo a afirmar que José não teve relações com Maria até o parto (vv.24-25). Em Lc, a afirmação capital sobre o fato da concepção virginal está, também, como em Mt, envolta no mistério pneumatológico (do Espírito Santo). O filho é gerado no seio de Maria pelo poder do Espírito (Lc 1, 34-35).
✓ O filho gerado no seio de Maria é um ser divino (Mt 1, 21-31; Lc 1, 35.39-43.44-56; Jo 1, 1.13). Já não se trata mais das “várias formas e das várias maneiras pelas quais Deus vem falando a seu povo” (Hb 1, 1) mas é o próprio Dus Filho feito carne, como dom salvífico ao povo e ao mundo. Afirmar a virgindade da mãe, origem humana do Filho de Deus, é afirmar, ao mesmo tempo, a origem divina desse filho. Origem divina essa que nos textos não é referida ao Pai mas ao Espírito Santo, a “ruah” do AT, o “pneuma” do NT (Mt 1, 18.20; Lc 1, 25), excluindo assim radicalmente qualquer tentativa de analogia com relações sexuais entre um deus e uma criatura presente nos mitos pagãos. A cadeia de genealogias humanas sofre uma radical ruptura para dar lugar ao Espírito que com seu sopro criador invade a história e faz brotar a vida ali onde seria impossível. É o mesmo Espírito que transforma os ossos secos em militante exército (Ez 37, 12-14), que converte o deserto em jardim e o jardim em floresta (Is 32, 15-17), o que faz brotar do ventre inexplorado de Maria a “vida em abundância” (Jo 10, 10). Não se trata, pois, de um dado antropológico que se passa, intimistamente, entre Deus, uma mãe e seu filho. Mas a concepção virginal de Jesus em Maria abre para homens e mulheres de todos os tempos e de todas as épocas a perspectiva de um novo nascimento (Jo 1, 13). Jesus, o novo Israel que brota do seio da Virgem, é a semente do novo povo que é plasmado pelo Espírito no povo fiel da qual Maria é figura e símbolo.

✓ Testemunho da Tradição e do Magistério

✓ O dogma da virgindade de Maria, intimamente vinculado ao da maternidade divina, apresenta um rosto diferente na Escritura e um percurso próprio na Tradição da Igreja.
✓ O movimento de fé que difundiu o título Mãe de Deus no correr do século IV e se cristalizou no Concílio de Éfeso (431) levou, também, a se considerar de maneira nova a virgindade de Maria. Até então, só a concepção virginal de Jesus em Maria estava em discussão.
✓ A partir da maternidade divina, a virgindade da mãe de Jesus, reconhecida como a da mãe de Deus, é compreendida como uma consagração absoluta da mãe a seu filho e como uma relação que exclui qualquer outra de intimidade carnal.
✓ A maternidade divina e virginal de Maria dá ocasião a uma estima absoluta de sua virgindade como uma virgindade perpétua, sinal de fidelidade a seu Filho. Maria, Mãe virginal de Deus, passa rapidamente a ser chamada Mãe “sempre virgem”, expressão clássica na liturgia e nos concílios. Tal expressão já é freqüente no fim do século IV.
✓ A afirmação dogmática mais nítida se encontra no Concílio de Constantinopla II (553): “Quem quer que não confesse que há duas gerações do Deus Verbo, uma antes dos séculos, do Pai, intemporal e incorporal, a outra nos últimos dias, do mesmo Verbo que desceu dos céus e se encarnou na santa e gloriosa Mãe de Deus sempre Virgem, e que foi gerado nela, que seja anátema”. Isso quer dizer, por um lado, que Maria permaneceu virgem toda a sua vida e não teve outros filhos e, por outro lado, que ela permaneceu virgem no momento do nascimento de Jesus.

A IMACULADA CONCEIÇÃO E A ASSUNÇÃO DE MARIA constituem duas verdades dogmáticas sobre a Virgem Maria que, embora não formalmente atestadas na Escritura, caminharam na Igreja desde o fim da época patrística para desembocar nas duas definições de 1854, com o Papa Pio IX, e 1950, com o Papa Pio XII. Esses dois mistérios da Virgem são frequentemente chamados de “privilégios”.
Trata-se de duas conseqüências da maternidade divina da Virgem Maria. Foi sobre o alicerce da consideração dessa maternidade que a fé dos cristãos se pôs a investigar a santidade de Maria e a situá-la em sua origem e a se interrogar também sobre sua morte e o destino de seu corpo após o fim de sua vida terrestre.

IMACULADA CONCEIÇÃO – Maria preservada do pecado original

✓ O dogma da Imaculada Conceição é a verdade de fé que proclama a Mãe de Deus sempre Virgem Maria preservada do pecado original desde a sua concepção por graça divina em vista dos méritos do Salvador Jesus Cristo.
✓ Este dogma afirma que Maria é uma pessoa completamente iluminada por Deus, o templo humano onde o pecado não entra e habita a graça, porque Ela é toda santa e toda de Deus.
✓ O dogma da Imaculada Conceição afirma que o segredo de Maria, mãe, virgem e discípula, que respondeu a Deus de maneira total, tem sua raiz na graça divina. Ela recebeu do Senhor um dom especial nascendo já redimida pela graça salvífica do Verbo de Deus.

✓ Reflexão bíblica sobre o dogma da Imaculada Conceição

✓ O dogma, de fato, se não é uma repetição da Escritura, não é tampouco uma nova revelação: é um desenvolvimento homogêneo – percebido por instinto da fé – de tudo que já se encontra no horizonte global da revelação. Há que tomá-lo sempre vinculado com a leitura que dele fizeram a Igreja e a Tradição. Nessa leitura, podemos perceber alguns textos bíblicos que deixam entrever, ainda que germinalmente, a concepção imaculada de Maria.
No AT – O texto de Gn 3, 15, também chamado de “proto-evangelho”, apresenta a mulher e sua descendência esmagando a cabeça da serpente. A personificação do bem em luta contra o mal é atribuída à mulher Maria. Depois deste texto, segue-se toda a série de figuras bíblicas abundantemente aplicadas pelos Padres e pela Tradição a Maria: a arca de Noé (Gn 6,8 – 8,19), a escada de Jacó (Gn 28,12), a torre inexpugnável (Ct 4,4), o jardim fechado (Ct 4,12), a esplêndida cidade de Deus que tem seus fundamentos sobre a montanha santa (Sl 87,1.3), o templo de Deus cheio da glória do Senhor (1Rs 8,10-11). Há, ainda, os escritos proféticos e outros do AT, dos quais fazem uso os Padres para celebrar Maria: “pomba pura” (Ct 2,10.14; 5,2; 6,9), Jerusalém santa (Sl 87), trono excelso de Deus (Eclo 24,2), arca santificada (Ex 25,10; 40,34-35; 1Rs 8,10-
11; Ez 43,1-5), e rainha que, repleta de delícias e apoiada por seu amado (Ct 8,5), sai da boca do Altíssimo absolutamente perfeita, bela, amadíssima por Deus e para sempre preservada de mancha de culpa (Eclo 24,3).
✓ Maria aparece, então, na leitura do AT feita pelos padres, como essa “morada de Deus”, esse “lugar” puro e receptivo onde Deus pode entrar e permanecer, em toda a glória e majestade, sem encontrar à sua presença oposição ou resistência. A essa idéia remete a simbologia da maioria das figuras do AT: arca, cidade, casa, jardim.
No NT, os dois textos que mais se destacam são: a saudação do anjo (Lc 1, 28: “cheia de graça”) e a benção de Isabel (Lc 1, 42: “bendita és tu entre as mulheres e bendito o fruto de teu ventre”). Maria aparece, pois, como aquela entre todas as criaturas de Deus que mais próxima se encontra ao próprio Deus. É o milagre de Deus por excelência, a criação chegada à sua plenitude, bendita, bem-aventurada, cheia de graça. A “mulher” Maria do Evangelho de João (Jo 2, 1-12; 19, 25-28) retoma a figura da “mulher/Eva” original, pura, imaculada e santa antes da culpa; Maria personifica em nome da Igreja e da humanidade essa santidade original. Isto porque ela é a mãe do santo Filho de Deus (Lc 1, 35), a mãe do Senhor (Lc 1, 43), a
mãe do Cristo Emanuel (Mt 1, 16.23). O Todo-poderoso fez grandes coisas em Maria, Ele que é Santo e misericordioso, e por isso ela é bendita em todas as gerações (Lc 1, 48-50).

✓ A Bula Ineffabilis Deus de Pio IX

✓ Em 8 de dezembro de 1854, o Papa Pio IX, depois de ter consultado todos os bispos do mundo, procedeu à definição solene da Imaculada Conceição da Virgem Maria, segundo a seguinte formulação:
✓ “Nós declaramos, pronunciamos e definimos que a doutrina que considera que a bem-aventurada Virgem Maria foi, no primeiro instante de sua concepção, por uma graça singular de Deus e por privilégio, em vista dos méritos de Jesus Cristo salvador do gênero humano, preservada de qualquer mancha do pecado original, é uma doutrina revelada por Deus, e que por isso deve ser crida firmemente e constantemente por todos os fieis.”
✓ A Bula de Pio IX afirma que Maria é isenta do pecado desde o primeiro instante de sua existência. Ela foi efetivamente resgatada por seu Filho, “por uma graça singular”, pois contraiu a dívida universal do pecado pelo fato mesmo de pertencer ao gênero humano, mas foi resgatada “de uma maneira mais sublime”, por preservação e não por purificação. A redação do documento papal recapitula toda a conquista da teologia desde Duns Scoto. A argumentação de Pio IX é bastante longa. O papa apresenta primeiro um quadro da fé da Igreja e do ensino de seus predecessores. Lembra as festas litúrgicas instituídas em honra da Imaculada Conceição e a difusão do culto desse mistério entre os fiéis. Reconhece que esse dogma faz parte, há vários séculos, do magistério ordinário da Igreja.

ASSUNÇÃO – Maria elevada em corpo e alma à glória celeste

O mais recente dos dogmas marianos é a Assunção da Virgem Maria de corpo e alma à glória celeste. Este dogma foi definido e proclamado solenemente pelo Papa Pio XII em 1º de novembro de 1950 com a Constituição Apostólica “Munificentissimus Deus” (Deus munificente – generoso, magnânimo, liberal). A Assunção da Virgem Maria celebrada no dia 15 de agosto constitui uma das três solenidades marianas celebradas no ano litúrgico; as outras são Maternidade Divina (01/01) e Imaculada Conceição (08/12). O dogma da Assunção é a verdade de fé cristã referente à Virgem Maria que proclama que ao final de sua vida terrena a Mãe de Deus foi agraciada com a participação em corpo e alma na glória celeste. Para penetrarmos na essência da verdade deste dogma mariano, precisamos refazer o seu percurso na Tradição cristã, compreender sua fundamentação bíblica e aprofundar seu significado para a Igreja e os homens e mulheres de hoje.

✓ A Constituição Apostólica Munificentissimus Deus de Pio XII

✓ Um único documento magisterial interveio no percurso doutrinal da Assunção: a definição de Pio XII proclamada em 1º de novembro de 1950 na constituição apostólica Munificentissimus Deus:
“Pela autoridade de Nosso Senhor Jesus Cristo, dos Bem-aventurados apóstolos Pedro e Paulo e por nossa própria autoridade, afirmamos, declaramos, definimos como dogma divinamente revelado que a Imaculada Mãe de Deus, Maria sempre Virgem, depois de ter completado o curso de sua vida terrestre, foi elevada em corpo e alma à glória celeste.”
✓ O texto sugere o vínculo entre Imaculada Conceição, Maternidade divina, Virgindade perpétua e Assunção. A definição, muito prudentemente, não toma posição sobre a morte natural de Maria nem sobre sua sepultura. Ao utilizar o termo “elevada”, que é um verbo na voz passiva, o texto diferencia o dogma mariano da “subida” da Ascensão de Cristo: Assunção é diferente de Ascensão – a primeira é passiva (alguém é elevado ou assunto por outro), a segunda é ativa (alguém sobe ou ascende por si mesmo). O texto também evita qualquer idéia de deslocamento espacial ao afirmar que Maria foi elevada “à glória celeste” – mudança de estado do corpo de Maria e passagem da condição terrestre à condição gloriosa da totalidade de sua pessoa, que se encontra unida ao corpo espiritual e glorioso de seu Filho.
✓ Pio XII não apresenta uma argumentação imediata a partir da Escritura. Ele fala da fé unânime da Igreja de hoje, que foi consultada na pessoa dos bispos, e sublinha o vínculo entre a “doutrina concordante” do Magistério ordinário e a “fé concordante” do povo cristão. O Papa fez uma síntese da fé da Igreja ao longo dos séculos e reconheceu sua expressão na liturgia, no ensino ordinário do Magistério e no ensino e argumentação bíblica e doutrinal dos Padres. A Escritura, portanto, foi invocada mediante a tradição, segundo o princípio de coerência doutrinal que preside à relação entre Maria e seu Filho.

✓ Fundamento nas Escrituras

✓ Os fundamentos do dogma da Assunção proclamado por Pio XII não partem da letra mesma dos textos mas da Escritura interpretada pela grande tradição da Igreja: os Padres, teólogos, pregadores, santos e santas e fiéis, os quais para ilustrar sua fé na Assunção se serviram com uma certa liberdade dos feitos e ditos da Sagrada Escritura, ou seja, serviram-se dos textos escriturísticos para mostrar como este privilégio de Maria concorda admiravelmente com as verdades que são ensinadas na Sagrada Escritura.
✓ A Escritura aparece, portanto, segundo Pio XII, como “fundamento último” do dogma divinamente revelado de que “a Imaculada Mãe de Deus Maria sempre Virgem, após haver terminado o curso de sua vida terrestre, foi elevada/assunta em corpo e alma à glória celeste”.
✓ O primeiro texto fundamental para o dogma da Assunção, segundo a Constituição de Pio XII, é o “protoevangelho” de Gn 3, 15 que fala da inimizade mortal entre a serpente autora da morte e a mulher defensora da vida. Maria, Nova Eva, estreitamente unida ao Novo Adão que é Jesus Cristo nesta luta contra o inimigo infernal, é sobre ele, com Cristo, gloriosa. “Como a gloriosa Ressurreição de Cristo foi uma parte essencial e derradeiro troféu desta vitória, assim era necessário que o combate travado pela Virgem Maria unida a seu Filho terminasse pela glorificação de seu corpo virginal”. A Assunção de Maria é o desfecho de sua vida plenamente voltada para Deus e para os outros, em contraposição radical a tudo aquilo que é
pecado, diminuição de vida. Participando com o Filho na luta e no sofrimento, participa com ele também na glória. Aqui os escritos paulinos sobre a Ressurreição podem iluminar a compreensão da vitória sobre o pecado e a morte (Rm 5-6; 1Cor 15,21-26.54-57).
Sl 131/132, 8: “Levanta-te, Senhor, vem à tua mansão, vem com a arca de teu poder”. A imagem da Arca da Aliança, lugar da própria presença divina, é tradicionalmente vista pelos Padres e teólogos da Igreja como imagem de Maria. A Arca era considera como o símbolo privilegiado da presença (Shekinah) de Deus em meio ao seu povo. A Arca, portanto, enquanto presença de Deus em meio ao seu povo, é incorruptível. Porque a aliança de Deus com Israel é eterna, a Arca não pode perecer. Maria – Arca da Nova e Eterna Aliança de Deus com a humanidade, lugar onde repousou o próprio Deus feito carne – é glorificada sem conhecer a corrupção. As palavras do salmo, portanto, lidas nesta perspectiva, cantam a realidade do Senhor glorificado juntamente com Maria, aquela que foi seu lugar e sua morada nesta terra.
Lc 1, 28: “Alegra-te, cheia de graça, o Senhor é contigo...” Lendo, aprofundando e compreendendo essa saudação angélica a Maria, a Igreja viu no mistério da Assunção como que o complemento de plenitude de graça da Virgem Maria e uma benção singular em oposição à maldição de Eva. O dogma da Assunção está, pois, estreitamente ligado aos outros dogmas marianos: quem é assunta aos céus, vitoriosa e senhora nossa, é a Virgem que se abriu à Palavra e foi fecundamente penetrada pelo Espírito; é a Mãe que de sua carne formou a carne do próprio Verbo da Vida e que foi aclamada por uma simples mulher do povo (Lc 11, 27-28); é a imaculada concebida, cheia de graça, cheia de Deus, com quem o Senhor está continuamente dando início à Nova Criação.
Ap 12: a imagem da Mulher gloriosa. Não apenas nas várias figuras e símbolos do AT e nos Evangelhos os Padres e teólogos da Igreja viram anunciada a Assunção de Maria, mas também nesta mulher, vestida de sol, cheia de luz, sobre a qual as trevas da morte não têm mais poder. Mãe daquele que as primeiras testemunhas viram como a “Luz do mundo”, Maria participa intimamente da glória do Filho, assim como participou da vida, da perseguição e da morte.
Outros textos bíblicos podem ser citados a partir das interpretações dadas pelos grandes Padres e Teólogos da Igreja: Sl 44, 10.14-16; Ct 3, 6 (citados por João Damasceno); Is 60, 13 (citado por Amadeu de Lausanne); Ct 8, 5 (citado por Alberto Magno, Tomás de Aquino e Boaventura); e Ef 5, 27; 1Tm 3, 15;1Cor 15, 54 (citados por Bernardino de Sena, Roberto Bellarmino e Francisco de Sales).


BIBLIOGRAFIA
1. BRUSTOLIN, L. A. Eis tua mãe. Síntese de Mariologia. São Paulo: Paulinas, 2017.
2. BOFF, C. M. Dogmas Marianos. Síntese catequético-pastoral. São Paulo: Editora Ave Maria, 2010.
3. MURAD, A. Maria, toda de Deus e tão humana. Compêndio de Mariologia. São Paulo: Paulinas; Santuário, 2012.
4. CONCÍLIO VATICANO II. Constituição Dogmática Lumen Gentium. Capítulo VIII.

(Obs.: O presente texto é uma síntese pessoal elaborada de forma livre a partir da bibliografia de referência)


Pe. Gimesson Eduardo da Silva, SCJ
Mestre em Teologia Dogmática pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma


 
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