XXXI Domingo do Tempo Comum: Mc 12,28b-34 - Não estás longe, mas é preciso chegar lá!

Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ

A perícope do evangelho de hoje, ainda que a sua delimitação, por questões de uso litúrgico, exclua a primeira parte do versículo 28, deve-se ter presente a importante informação nela contida: “um dos escribas que ouvira a discussão, reconheceu que respondera muito bem”. Jesus acabara de ser confrontado pelos saduceus acerca da ressurreição dos mortos que eles não acreditavam (Mc 12,18-27). Estamos, portanto, no contexto de algumas discussões de Jesus com grupos religiosos e políticos (fariseus e herodianos: 12,13; saduceus: 12,18); ademais, Jesus já está em Jerusalém, onde se dará o grande conflito cujo cume será a sua condenação e morte (Mc 11-13). 
A pergunta do escriba é sincera e, diferentemente de outras situações, motivada por uma honestidade intelectual e manifesta deferência para com Jesus, a quem reconhece no final como mestre. Pois geralmente quando os opositores de Jesus introduziam seus questionamentos com o vocativo “mestre”, não havia lealdade e reverência, mas provocação e ironia, e o intuito era deliberadamente pô-lo à prova, tentá-lo. Neste caso, o escriba não demonstra tais motivações; e o próprio Jesus o elogia: “Tu não estás longe do Reino de Deus”. 
A pergunta feita pelo escriba parece muito simples a nós que já estamos acostumados com a milenar resposta dada. Sem dúvida, qualquer criança atenta que esteja na catequese não terá muitas dificuldades em responder. Contudo, no tempo de Jesus havia muitos debates entre os estudiosos da Lei sobre o seu núcleo fundamental e qual seria o primeiro de todos os mandamentos, pois a preocupação primordial era fazer a vontade de Deus expressa na Torah (Lei). Desejosos de aplicar a Lei a todas as situações da vida, independentemente de sua concretude, os estudiosos da Lei elencaram uma infinidade de preceitos ou mandamentos para garantir a realização de tal propósito. Entre mandamentos positivos (248) e proibitivos (365), o conjunto das leis chegava ao número de 613. Por isso, não podemos pensar que naquele contexto a pergunta era tão simples assim. Por outro lado, verifica-se que o judaísmo já tinha uma certa clareza dessa síntese: amor a Deus e ao próximo são inseparáveis, mesmo que não houvesse concordância absoluta de quem seria o próximo (todas as pessoas, os conterrâneos, os familiares etc.). Um fato semelhante (talvez paralelo) da presente discussão, encontramos no evangelho de Lucas (10,29) quando um doutor da Lei levanta o questionamento sobre o amor ao próximo, manifestando não saber quem é o próximo.
Chama-nos atenção que, neste caso de hoje, tanto Jesus como o escriba estão de acordo na resposta: Amar a Deus e ao próximo, eis os mandamentos não só importantes, mas inseparáveis. Contudo, a novidade não está na concordância teórica entre os dois, mas na conclusão assertiva do escriba: “amar a Deus... e o próximo é mais do que todos os holocaustos e todos os sacrifícios”, e na provocação que Jesus lhe faz: “Tu não estás longe do Reino de Deus”. O escriba queria ter uma resposta que lhe desse segurança daquilo que ele já sabia: “Mestre, tens razão...”. Talvez isso já o deixaria acomodado na sua zona de conforto. Porém, o saber algo ainda não é tudo, mesmo que já seja uma aproximação da realidade almejada. 
Os elogios trocados entre os dois mestres não são expressões de uma recíproca bajulação, mas compromisso autêntico com a busca da verdade. Se o escriba demonstra o desejo sincero de conhecer com segurança o caminho para cumprir os mandamentos, Jesus lhe indica a estrada para entrar no Reino de Deus. Os dois mandamentos, metaforicamente falando, são como as duas pernas necessárias para caminhar. O amor a Deus pode nos colocar de pé, mas para dar os passos é indispensável, a outra perna: o amor ao próximo. Por isso, o escriba precisa reconhecer que um sem o outro não é suficiente para chegar ao Reino e dele participar. Acolher o Reino que se aproxima exige atitudes que nos aproximem dele. Sem dúvida, o amor é dom, mas também se espera comprometimento, atuação de totalidade: com todo o coração (centro das decisões iluminadas pela razão), alma (interioridade afetiva), entendimento (compreensão das consequências e implicações) e forças (atitudes concretas). Reduzir a vivência do amor a alguns aspectos ou dimensões da vida é arrisca-se ficar no meio do caminho. Não podemos nos contentar com uma impressão de que estamos próximos do que desejamos e necessitamos, como alguém que se ilude de estar perto do seu portão de embarque no aeroporto apenas porque o vê por trás de uma vidraça, arrisca-se estar no corredor errado sem passagem imediata para o local desejado. É preciso caminhar para o destino e não apenas saber que ele está no fundo do corredor. Os dois fundamentais mandamentos têm algo em comum, isto é, amar; que se traduz, na verdade, por um caminhar com as duas pernas, pois só assim poderemos chegar lá.



Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana