XXVIII Domingo Tempo Comum: Mt 22,1-14 - Quando o silêncio denuncia a própria culpa

Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ

No evangelho deste Domingo, com a parábola das bodas, Jesus continua a ensinar sobre o Reino dos céus, sublinhando a reação negativa da humanidade diante desse dom gratuito de Deus. Tal reação de soberba provoca consequências nefastas tanto para o presente histórico da vida da humanidade como para o seu destino eterno. De modo muito rico, retoma-se a linguagem simbólico-alegórica do banquete já conhecida no Antigo Testamento (1ª Leitura) para falar desse dom gratuito de Deus para com o seu povo, chamado insistentemente para uma vida destinada à plenitude. Estamos diante de uma verdadeira síntese da história do amor perseverante de Deus, que não se cansa de convocar o seu povo para que encontre os caminhos da justiça a fim de que participe da verdadeira vida no banquete definitivo. 
Fazer uma releitura numa perspectiva alegórica da parábola não é difícil: O rei (Deus) que prepara para o seu Filho (o Messias) um banquete de núpcias (Aliança) e que envia os seus servos (profetas, apóstolos) para chamar os convidados (o povo judeu), que recusam o convite. Porém, apesar dessa recusa, o Banquete não será cancelado e, portanto, todos (gentios) são convidados para a festa (anúncio universal da salvação). Até aqui segue-se uma lógica muito simples, porém pode parecer chocante o fato: “Quando o rei entrou para ver os convidados, observou aí um homem que não estava usando traje de festa e perguntou: ‘Amigo, como entraste aqui sem o traje de festa?’ Mas o homem nada respondeu”.  
Poderíamos nos perguntar como é possível alguém que fora convidado de surpresa na esquina da rua para uma festa, da qual não tinha nem conhecimento prévio, poder se preparar adequadamente (vestes festivas) para aquelas bodas?
Há alguns testemunhos de textos antigos da Mesopotâmia que falam do costume dos reis de presentear, à entrada da sala da festa, uma veste a cada convidado. No contexto da parábola, essa veste representa a ação de Deus para com o ser humano, ou seja, tudo o que Ele oferece e dispõe para que a humanidade se prepare para participar do seu banquete (a sua Palavra, a sua graça santificante, a presença do seu Espírito, etc.). Na própria tradição bíblica simbolicamente para falar da proteção divina se diz que Deus reveste o seu povo, os seus escolhidos: “Vestiu-me com as vestes da salvação e me envolveu com o manto da justiça” (Is 61,10, ver também: Ap 19,8; 22,14). Portanto, encontramos uma referência explícita à justiça ou à santidade que o próprio Deus concede a todos os que são convidados para o banquete. Significativa a parábola do Pai misericordioso que, ao receber o filho arrependido, antes mesmo de entrar em casa e fazer a festa, manda buscar a melhor túnica para vesti-lo (Lc 15,22).
Aquele homem que foi encontrado sem as vestes não pode dizer que não sabia que tinha sido convidado para uma festa de casamento, pois esta foi a ordem do rei: “Ide até as encruzilhadas dos caminhos e convidai para a festa todos os que encontrardes”. Se na Antiga Aliança um povo foi escolhido para o banquete, na Nova Aliança ninguém foi excluído do convite: “Os empregados saíram pelos caminhos e reuniram todos os que encontraram, maus e bons”. No anúncio da salvação não se pode excluir ninguém, pois cairíamos no perigo de pensar que somos nós os árbitros de Deus. Mas o apelo é para todos indistintamente, mesmo que tenhamos a tentação de classificar bons e maus.
A exclusão daquele homem do banquete não se deu pelo fato de ele ser bom ou mau, mas porque não estava com as vestes da festa, isto é, apesar de ter sido convidado, admitido entre os convivas sem nenhuma distinção, rejeitou a veste que lhe fora oferecida à entrada da sala; ele desprezou a liberalidade do dono do banquete. Na verdade, ele não foi excluído, mas pelo contrário, foi ele mesmo que não quis aceitar as condições para participar do banquete. Ao ser convidado, mesmo de surpresa, ele sabia que era para uma festa de casamento. O dono do banquete não se admira porque aquele convidado desconhecido está na sala do casamento, mas porque entrou sem as vestes da festa, isto é, porque rejeitou o dom imprescindível para estar ali. A sua atitude arrogante não se diferencia dos primeiros convidados que “não deram atenção”. Assim como os primeiros foram para os seus campos ou negócios, este também permaneceu no seu “mundo”, fechado ao dom da salvação, apesar de aparentemente ter aceitado participar da festa. 
Ao ser perguntado como tinha entrado ali sem as vestes, o “homem nada respondeu” (em grego: ephimothn, emudeceu, do verbo colocar uma mordaça, amarrar o focinho, um cabresto). Símbolo do homem que, apesar das inúmeras iniciativas de Deus, da sua misericórdia, não quer se converter e, por isso, se parece “como cavalo ou o jumento, que não compreende, que só com rédea e freio submetem seus ímpetos...” (Sl 32,9). 
Ser colocado para fora da sala do casamento é uma consequência natural de quem não aceitou entrar nela, pois não basta apenas querer entrar no Reino dos céus, mas é preciso buscá-lo antes de tudo e a sua justiça. E a justiça do Reino é fazer a vontade de Deus. Portanto, essa parábola de Jesus é um grande apelo de conversão, isto é, a destinação do Reino é universal, pois ninguém está excluído, porém é preciso acolher a veste da festa colocada à disposição pelo próprio Senhor; essa representa todas as condições e exigências para uma participação plena no Reino dos céus. 
São Leão Magno afirma: “o traje é a virtude da caridade: entra portanto nas bodas, mas sem as vestes, que tem fé na Igreja, mas não possui a caridade” (in Homilia dos evangelhos, 36).
O nosso silêncio diante das exigências de mudança de vida, próprias da conversão ao evangelho talvez nos garanta uma casa cheia, porém com pouca gente com as vestes da festa, e, portanto, impossibilitadas de participar plenamente do banquete da vida. Talvez não nos cansamos de convidar, de dizer que ninguém está excluído do Reino, mas por outro lado, amordaçados pelo politicamente correto, estamos escondendo as vestes festivas e privando os convidados de permanecerem na festa para sempre. O nosso silêncio denuncia a nossa culpa, e arriscamos de a sala se esvaziar.



Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana