XXIV Domingo Tempo Comum: Mt 18,21-35 - Só um coração necessitado de perdão decide perdoar

Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ

A perícope deste Domingo nos remete ao início do evangelho de Mateus quando Jesus ensina a oração-referencial de toda oração cristã, isto é, o Pai Nosso; especificamente nas palavras de hoje, o Mestre retoma de modo concreto o que significa a petição: “Perdoa-nos as nossas dívidas como também nós perdoamos aos nossos devedores” (Mt 6,12). Reconciliação e perdão não são opções para o cristão, mas são respostas concretas às suas necessidades básicas e existenciais, pois sem elas, o orante cristão cairia numa espécie de esclerose espiritual, negando a si mesmo a necessidade permanente de pedir e dar o perdão. Pois o perdão não é simplesmente um favor que se faz ao outro, mas um bem que se conquista para todos. 
Podemos distinguir três momentos no texto. Inicia-se com a pergunta de Pedro cuja formulação já aponta para uma resposta: “Senhor, quantas vezes devo perdoar, se meu irmão pecar contra mim? Até sete vezes?” Haja vista que, partindo de alguns textos (por exemplo: Am 2,4; Jó 33,29; Gn 50,17), os rabinos ensinavam que se devia perdoar as injúrias até três vezes, a resposta induzida de Pedro, isto é, perdoar até sete vezes, já era uma medida bastante generosa. Contudo, a generosidade de Deus supera toda tentativa generosa do ser humano: “Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete”. 
Não é preciso dizer que Jesus respondendo assim esteja propondo uma operação matemática para a prática do perdão, mas proclama veementemente que enquanto houver necessidade de perdão, este deve ser dado. Chama atenção a lógica pouco corrente presente na pergunta de Pedro: “perdoar quando o irmão pecar”, pois poderia parecer mais plausível: “perdoar quando o irmão pede o perdão”. Eis aqui a grande novidade do ensinamento de Jesus, ou seja, não esperar que o outro reconheça o seu pecado e suplique o perdão, mas oferecer o perdão como um dom necessário para a sua autêntica conversão e verdadeira reconciliação. Esse princípio já fora apresentado anteriormente: “Se teu irmão pecar, vai corrigi-lo a sós contigo” (Mt 18,15).
O pecado não diz respeito apenas à esfera pessoal do pecador, mas traz danos para a Igreja, da qual ele é membro. Essa verdade está bem presente na concepção eclesiológica de São Paulo quando afirma: “Se um membro sofre, todos os membros sofrem” (1Cor 12,26). Portanto, o pecado, ainda que pessoal, quebra a comunhão, fratura as relações, enfraquece todo o corpo. Por conseguinte, promover o quanto antes a reconciliação dando o perdão, é recuperar a saúde para todo o corpo, e não apenas um benefício exclusivo para o indivíduo. 
No segundo momento, temos a parábola que Jesus conta a fim de ilustrar de modo prático a necessidade de pedir e dar o perdão, passamos assim das palavras do Pai-Nosso para a sua aplicação. Porém, o enfoque aqui está no aspecto desastroso e incoerente de quem pede perdão, mas não quer perdoar. A parábola, cuja finalidade é impactar os seus ouvintes a ponto de convencê-los, apresenta a consequência nefasta de alguém que se apropria inadequadamente de algo que lhe foi concedido como uma graça a ser compartilhada (perdão), mas que se tornou um verdadeiro usurpador desse dom. A reclamação do patrão revela essa injustiça: “Empregado perverso, eu te perdoei toda a tua dívida, porque tu me suplicaste. Não devias tu também ter compaixão do teu companheiro, como eu tive compaixão de ti?” O perdão concedido não era um prêmio dado a alguém que merecia, mas expressão de compaixão, gratuidade misericordiosa, que uma vez acolhida, deveria transformar o condenado perdoado em um convicto misericordioso. A reação do empregado perverso com o seu companheiro, que lhe devia uma quantia muito inferior à sua, revela a sua incapacidade de se sentir verdadeiramente perdoado, libertado das cadeias. Para ele significou apenas dispensa de uma dívida material, parece ter esquecido que a sua dívida implicava a perda da liberdade (tornar-se escravo), da família (mulher e filhos vendidos), de suas coisas. Se ele sendo livre não havia conseguido ainda pagar a dívida, como seria agora sem a sua liberdade e autonomia? Aqui a parábola sublinha o momento mais dramático de alguém que tomou consciência de que pecou, isto é, não tem como recuperar o dano que provocou a não ser sendo curado pelo perdão recebido e comprometendo-se em dar o perdão a quem precisar. Perdão não é opção para quem pecou, mas necessidade vital para poder alcançar a verdadeira liberdade. 
Por fim, o último versículo do nosso texto serve de conclusão: “É assim que o meu Pai que está nos céus fará convosco, se cada um não perdoar de coração ao seu irmão”. Parece um tanto duro e tirânico esse modo de fazer de Deus. Mas não esqueçamos que a finalidade do texto é pedagógica, portanto, mais do que estranhar a ação de Deus, é preciso tomar consciência de que se somos filhos desse Deus que por amor não se cansa de perdoar, também devemos ser filhos que não se cansam de pedir perdão e incansáveis em perdoar.



Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana