XXIII Domingo do Tempo Comum: Lc 14,25-33 - Andar junto a alguém não é segui-lo

Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ

A autoridade do ensinamento de Jesus, a sua coerência de vida, sem contar os muitos milagres que realizou, tudo isso exercia sobre as pessoas uma força irresistível de atração. A experiência pessoal e marcante com o Profeta de Nazaré convertia-se em propaganda natural; as pessoas miraculadas, ou mesmo aquelas que provavam da sua misericórdia, ao serem acolhidas, perdoadas, consideradas e tratadas como gente por Ele, tornavam-se as provas mais convincentes de que valia a pena ir ao encontro desse personagem extraordinário, apesar de não ter nada de fantástico como origem humana. Em muitas passagens do evangelho, vemos como as pessoas reagem diante de Jesus, considerando-o um grande profeta, um homem de sabedoria incontestável. Por outro lado, à medida que vão tomando consciência das exigências para segui-lo, alguns abandonam-no pelo caminho ou mesmo tornam-se seus opositores. Jesus tem consciência de que nem todas aquelas pessoas que engrossavam as multidões que o acompanhavam estavam dispostas a tornar-se discípulos seus. Por isso, aproveita algumas ocasiões para esclarecer que andar junto com ele não é a mesma coisa que segui-lo.
A perícope deste XXIII Domingo do Tempo Comum nos proporciona uma urgente e necessária reflexão sobre o verdadeiro significado de ser discípulo de Jesus. O evangelista inicia dizendo: “Grandes multidões o acompanhavam”; faz questão de sublinhar uma diferença entre acompanhar (grego: suveporeuonto, andar junto, viajar junto com alguém, acompanhar) e aquilo que, logo em seguida, Jesus propõe como desafio de quem quer perseverar no seu seguimento: “Quem não carrega a sua cruz e não vem após mim, não pode ser meu discípulo”. Pode parecer sutil a distinção, mas indica a grande diferença. Não basta apenas ir junto, estar do lado; para ser discípulo de Jesus é preciso tomar a cruz e ir atrás dele. Impressiona a clareza de Jesus ao dirigir-se às multidões; Ele não tem medo de perder “clientes” ao pronunciar estas duras palavras: “Se alguém vem a mim e não odeia pai e mãe, mulher, filhos, irmãos, irmãs e a própria vida, não pode ser meu discípulo”.  Na linguagem bíblica (hebraísmo), “odiar” significa “amar menos” (cf. Lc 9,57-62), isto é, colocar em segundo plano; relativizar até mesmo o que consideramos mais valioso na nossa existência (a família, e a própria vida).
Pois seguir (tomar o caminho) exige a disposição de deslocar-se, desinstalar-se, a fim de   fazer opções que implicam renúncia, desapego, abandono de projetos pessoais, autêntica conversão. E isto só é possível quando tomamos uma decisão pessoal, pois nem sempre é possível esperar que os outros, sobretudo aqueles que nos são mais próximos, decidam da mesma maneira que a nossa. O seguimento de Cristo só se concretiza a partir de opções pessoais livres e responsáveis; nunca é fruto de assembleísmos nem de aclamações de maioria. Não se segue a Cristo perdido na multidão, mas estabelecendo com Ele um relacionamento que favoreça o conhecimento da sua pessoa e de seus ensinamentos; consequentemente, a adesão pessoal a Cristo impulsiona à comunhão com quem encontramos no mesmo caminho.
O seguimento de Cristo não exige uma fidelização garantida por uma frequência a um grupo ou mesmo pelo compromisso com atividades realizadas na comunidade, mas a fidelidade do discípulo está na autenticidade de um seguimento marcado pela disposição de tomar a cruz. Contudo, a cruz não aponta apenas para um sofrimento, não é somente a certeza da morte que se vai enfrentar, mas a cruz é o sinal inconfundível para discernir qual o caminho que estamos tomando e a quem estamos seguindo. A cruz sem Jesus é símbolo de um sofrimento sem sentido, de um sofredor covarde que a abandonou. Porém, Jesus sem a cruz é a manipulação mais alienante de um suposto cristianismo que para garantir multidões, atraídas pela “fé” que assegura o show, abandona o seguimento autêntico que exige do discípulo a coragem para carregar a cruz, e torna-se apenas um clube religioso para prover aos seus fiéis clientes as vantagens, os bônus e créditos da sua propaganda enganosa, traindo as palavras do próprio Senhor a quem dizem seguir. 
Jesus com as duas comparações (construção da torre, preparação para guerra), reitera as duas condições fundamentais para quem quer sair da multidão e aderir à comunidade dos seus discípulos. Antes de tudo, é preciso reconhecer as próprias condições e motivações para tal opção. Não pode ser apenas um entusiasmo momentâneo que ilude, cria falsas expectativas, mas não progride. Quem pretende construir uma torre se senta e calcula. Quem pretende seguir a Cristo, se senta como fez Maria aos pés do Mestre para ouvir a sua Palavra (Lc 10,38s), é a Palavra do Mestre que se tornará critério de avaliação de nossas capacidades e nos formará para o crescimento; é partir dela que se constrói com solidez e segurança. Quando se deve descer ao campo de batalha, é preciso ter um exército capaz de enfrentar o adversário. Seguir a Cristo é ter consciência de que é preciso travar uma árdua batalha no campo do mundo hostil ao evangelho e perseguidor da verdade que liberta. Batalha que não se vence com as armas estratégicas de uma propaganda enganosa ou de um proselitismo fundamentalista que busca apenas garantir multidões de adeptos, mas com atitudes que testemunhem a vitória Daquele que não teve medo de tomar a sua cruz e nos mostrar o caminho da verdadeira vida, mesmo morrendo na cruz. Sua morte na cruz selou a verdade de que sem ela não o poderemos seguir.



Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana