XXI Domingo do Tempo Comum: Lc 13,22-30 - A porta é estreita, mas por enquanto está aberta!

Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ

O Evangelho desse Domingo nos coloca diante de uma das perguntas mais intrigantes do coração humano: “Quem se salvará?”. A resposta de Jesus provoca o seu interlocutor e a todos os que escutam o seu ensinamento a romper com a mentalidade de mera curiosidade em relação ao tema da salvação eterna, pois permanece sempre um mistério reservado a Deus. Importante notar que Lucas introduz esse ensinamento de Jesus no contexto de sua ida para Jerusalém: “Jesus atravessava cidades e povoados, ensinando e prosseguindo seu caminho para Jerusalém”. Portanto, só é possível compreender e assumir o seu ensinamento quem está disposto a seguir seus passos rumo à cruz, pois a salvação eterna não está separada do seu Mistério Pascal. As pessoas que têm apenas curiosidade sobre temas religiosos, que fazem de suas especulações o seu hobby intelectual, não compreenderão que a salvação não é uma questão de estatística, mas dom de Deus que se acolhe com o compromisso de vida, no esforço generoso, perseverante e fiel, sinal de que reconhecem quão valiosa é a salvação oferecida por Deus, no seu Filho, que pagou um alto preço por nós. 
Diante de uma especulação teórica: “Senhor, é verdade que são poucos os que se salvam?”, os rabinos responderiam que todo o Israel participará do mundo novo; exceto os pecadores mais abomináveis. Portanto, a concepção de uma salvação quase que automaticamente garantida em virtude de uma pertença étnica, favorecendo assim  uma postura vaidosa de povo exclusivo, perdendo a consciência de que, antes de tudo, era povo escolhido, para ser luz para as nações, e nele todos os povos serem abençoados (a promessa feita a Abraão Gn 12,13).
Toda a Revelação bíblica indica que a salvação de Deus tem destinação universal: “Virão homens do oriente e do ocidente, do norte e do sul, e tomarão parte no reino de Deus” (“Quer que todos se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade”, 1Tm 2,4). Porém, essa salvação é dom que se oferece, não condição que se impõe. Pois é a expressão da fidelidade do amor de Deus, e só pode ser acolhida também por amor; o amor não é objeto de especulação teórica, mas um compromisso com atitudes concretas. 
Jesus responde não com indicações estáticas ou teóricas, mas com uma exortação: “Fazei todo o esforço possível para entrar pela porta estreita”, e com um motivo: “porque eu vos digo que muitos tentarão entrar e não conseguirão”. É uma resposta prática pois aconselha uma vida feita de lutas e esforços para se chegar à vida eterna. Aparentemente a salvação pode ser interpretada como algo sobre-humano, mas na verdade, a experiência humana tem provado que a atualização das suas potencialidades não se dá se não houver empenho, esforço, luta, busca... Sem exercitar-se, o ser humano pode viver ilusoriamente de modo cômodo, mas entrará num processo de atrofiamento irrecuperável, perda de vida. Portanto, Jesus desloca o foco da curiosidade infantil colocado no fim (porta fechada: “Poucos os que se salvam”), para o hoje do compromisso amadurecido de buscar a salvação (porta estreita: “Esforçai-vos”).
Muitos perdem tempo esquecendo que a porta está ainda aberta, mesmo que ela seja estreita; o que não significa causa eficiente que impeça passar por ela. 
Aqueles que tentam entrar quando a porta já está fechada são chamados de estranhos (“Não sei de onde sois”) e praticantes da injustiça (“todos vós que praticais a injustiça”). Por outro lado, eles apelam para o inverso: demonstram intimidade a ponto de recordarem que sentavam-se à mesa com o dono da casa (“Nós comemos e bebemos diante de ti”), e que conheciam os seus ensinamentos (“Tu ensinaste em nossas praças”). Mas apesar de suposta intimidade, eles se encontravam fora da casa, pois pedem: “Senhor, abre-nos a porta”. Por conseguinte, ser estranho ao dono da casa significa optar por estar fora, é acomodar-se à falsa concepção de salvação que não exige conversão, empenho, lutas e esforços e que, mesmo comendo e bebendo juntos, ouvindo os seus ensinamentos, continua-se a praticar a injustiça. Injustiça na tradição bíblica é, antes tudo, aquilo que está em desacordo com a vontade de Deus. A Palavra de Deus é a expressão da sua vontade, logo contrapor-se a ela é cometer a injustiça. Rejeitar Jesus, ele que é a Palavra encarnada, significa cometer a grande injustiça para com Deus, que o envia para salvar a humanidade, é rejeitar a própria salvação cujo caminho é seguir os passos do Salvador.
A advertência de Jesus não se dirige apenas àqueles que não acolheram o seu ensinamento nem aderiram ao seu caminho rumo à cruz (porta estreita), mesmo que quisessem a salvação, vista como algo fácil, um toque mágico como abrir uma porta e deixar passar. Vale notar que se eles mesmos dizem que comeram e beberam diante do dono da casa, significa que um dia estiveram dentro da casa, mas que não foram capazes de perseverar na fidelidade, pois agora estando fora e pedindo para abrir-lhes a porta, demonstram que agiram de forma ambígua, sem a disposição de enfrentar as consequências do ensinamento de Jesus, isto é, a prática da justiça, como realização da vontade de Deus, o que exige passar pela porta estreita.
Todos são chamados à salvação, contudo é preciso palmilhar uma estrada para chegar lá. O caminho é sempre o caminho para Jerusalém, e a cruz é a confirmação de que não se tomou a estrada errada, cujo fim era uma porta fechada.
A resposta do dono da casa: “Afastai-vos de mim” não é uma punição arbitrária, uma exclusão despótica ou mesmo uma deslealdade para quem comia e bebia diante de si ou que assistiam aos seus ensinamentos em praça pública. Na verdade, o verbo grego “afastar-se” (grego: apostete, daí apostasis – apostasia: renúncia e afastamento da fé) significa retirar-se, manter-se longe. Contudo, aqui pode-se compreender a palavra do dono da casa mais como uma declaração de que, apesar de apelarem para uma proximidade física, a ponto de exigirem que se-lhes-abram a porta, na verdade, viviam já distantes, pois eram operadores da injustiça.
A salvação eterna continua sendo um dom do Pai por meio da cruz do seu Filho, mas cabe a nós acolhê-la com generosidade, no esforço cotidiano da prática da justiça (fazer a vontade de Deus), seguindo os passos do Mestre que nos conduz à porta estreita que ainda está aberta. Porém, se preferirmos o comodismo de fazermos a nossa vontade, recusando-nos a abraçar o projeto da construção do reino de Deus, um dia o caminho chegará ao seu término, mas com a grande e desesperadora surpresa de toparmos com uma porta, mas fechada.



Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana