XII Domingo do Tempo Comum: Mc 4,35-41 - Não basta levar Jesus consigo, é preciso saber quem Ele é!

Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ

O grande objetivo do evangelho de Marcos é responder a pergunta: “Quem é Jesus?”. Pois é impossível tornar-se discípulo dele permanecendo na ignorância em relação à sua pessoa e, consequentemente, à sua missão. O evangelho de hoje faz parte de uma seção bem articulada, cuja finalidade é responder quem é Jesus a partir de 4 milagres que ele realiza (4,35-41: tempestade acalmada; 5,1-20 endemoniado; 5,21-43: mulher com fluxo de sangue e a filha de Jairo). Ao longo dessa seção encontramos um refrão que demonstra a reação de espanto e admiração das pessoas: “E ficaram com muito medo” (4,41: os discípulos; 5,16.20: as testemunhas; 5,42: todos os presentes). Chama-nos atenção que, de todas as 4 cenas, apenas na primeira os discípulos são repreendidos veementemente por falta de fé: “Por que tendes medo assim? Ainda não tendes fé?”. Portanto, a fé é decisiva para uma resposta consistente; para os sinóticos a fé é imprescindível para que aconteça o milagre: “A tua fé te curou; Não temas; crê somente” (5,34.36).  
A perícope hodierna não é apenas a primeira da série de 4 milagres, mas serve de ponte entre aquilo que já foi visto (4,1-34: ensinamentos de Jesus em parábolas) – vale salientar que aqui temos a primeira vez que os discípulos chamam Jesus de mestre (4,38), evidenciando assim o reconhecimento do ensinamento que Jesus acabara de fazer-lhes – e os 3 episódios seguintes. O episódio da tempestade acalmada é, portanto, também introdução-síntese cujo desdobramento se dará em seguida e que terá o seu ponto alto no evangelho do próximo domingo (XIII Mc 5,21-43).
Numa leitura atenta e didática podemos perceber os vários níveis presentes no texto: partindo de uma apresentação descritiva do episódio até o seu alcance teológico cuja atualidade torna-se irrefutável e de grande valia para quem acolhe essa Palavra e dela se nutre tanto em nível pessoal como comunitário. Muitas vezes, ao longo da história, a comunidade cristã diante do entardecer do medo, da insegurança, dos obstáculos e sofrimentos por causa da missão, tem encontrado na meditação da presente perícope ocasião para renovar a sua fé e a certeza de que não está só nessa travessia e que Jesus não dorme, de modo insensível, nas horas de tempestade e borrasca. 
O ponto de partida é a Palavra de Jesus: “Passemos para o outro lado”; mais do que um simples deslocamento geográfico, indica a necessidade de expansão da missão, pois sendo anúncio de salvação não se restringe a um povo (margem dos Judeus), mas deve alcançar todas as nações (Região dos gerasenos 5,1, povos pagãos). Já no início do evangelho, quando parecia que tudo estava contribuindo para o sucesso da missão, Pedro, não encontrando imediatamente Jesus que se ausentará da multidão para rezar no monte durante a noite, desabafa: “Todos te procuravam” (Mc 1,37), o próprio Senhor corrige a tentação do discípulo de instalar-se: “Vamos a outros lugares... para isso que eu vim” (Mc 1,38).  Agora também, depois de um dia de muitos ensinamentos sem reações negativas, curiosamente Jesus abandona a zona de conforto e expõe-se ao furor da tempestade (símbolo da resistência e oposição ao seu ensinamento). 
Além da barca onde estava Jesus e os discípulos, havia outras barcas. Sutilmente o evangelista aponta para uma gama de testemunhas do episódio que supera o pequeno grupo dos discípulos, é mais um aspecto universal do alcance do milagre. Destarte, até mesmo os não “crentes” podem contemplar as obras estupendas de Deus, pois só Ele tem poder sobre os fenômenos da natureza revolta, como reza o salmo de hoje: “Os que sulcam o alto-mar... testemunham os prodígios do Senhor e as suas maravilhas no alto-mar” (Sl 106,23-24). Se por um lado, todos podem ver de suas barcas o ocorrido, só na barca dos discípulos há a possibilidade de fazer uma experiência de fé a partir do referido acontecimento. Pois não é apenas uma tempestade que vem e passa afortunadamente sem deixar estragos, mas uma experiência de despertar da fé dos discípulos, restaurando a confiança em Jesus que os sustenta e faz superar o medo e a covardia.
Nessas horas de provação é preciso reconhecer não apenas onde está Jesus, mas quem ele é: “Jesus estava na parte de trás, dormindo sobre um travesseiro”. Para quem não conhece tecnicamente a embarcação, pensará que Jesus está apenas num determinado lugar do barco, mas o texto grego é específico; “Jesus estava na popa” (grego: ev tn prúmbni), isto é, o lugar mais estratégico e importante do barco no que concerne a sua condução, pois era ali que se encontrava o aparelho de manobra do leme. O espanto dos discípulos se dá justamente porque percebem que o barco está sem comando (dormindo), mas esquecem que é Jesus o comandante, logo não deveria temer. Metaforicamente, o sono na Bíblia indica a morte, nessa ocasião Jesus permite aos discípulos fazerem a experiência de que a sua morte (em breve) não deve causar-lhes desespero, pois não é para sempre, e no momento certo dará a prova de que não perdeu o controle, portanto, será a fé a sustentá-los. O desafio para o cristão nas horas da provação é ter a convicção daquela criança que durante um voo brincava todo o tempo na sua poltrona despreocupadamente, mesmo quando o avião atravessava uma zona de grande turbulência. Indagada por um vizinho de poltrona se não tinha medo dos sacudidos do avião, ela respondeu com toda convicção: “Claro que não! O piloto é meu pai”.  
A tentativa presunçosa dos discípulos de quererem acordar Jesus (grego: egeirousin, levantar, acordar, ressuscitar) torna-se ocasião de revelação de quem na verdade estava dormindo: Por que sois covardes? Ainda não tendes fé? Teoricamente muitas vezes afirmamos que o Senhor está conosco, que Ele nos acompanha, mas nem sempre temos a convicção de quem Ele é. Por isso, não é questão de ter mais alguém conosco, mas ter o Deus-conosco entre nós. Mais perigoso para o naufrágio não é o repouso natural e necessário, mas a falta de fé, sinal de que ainda não se conhece o Senhor. Pois Ele é aquele a quem o vento e o mar obedecem.



Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana