X Domingo Tempo Comum: Mt 9,9-13 - Segue-me que contigo eu irei

Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ


Os evangelhos sinóticos inserem a narração do chamado de Mateus (Levi) logo depois da cura do paralítico, que fora levado até Jesus que estava, certamente, na casa de Pedro e André, em Cafarnaum, a qual se tornou também a sua casa (cf. Mt 4,13). Os dois acontecimentos contíguos no texto dos evangelhos não são apenas fatos que se sucedem numa linha cronológica, mas entre eles há uma relação intrínseca que deve ser levada em conta para não corrermos o risco da superficialidade estéril na escuta do evangelho e de seus apelos.

Entre o paralítico e Mateus pode-se verificar vários pontos em comum (paralelismos): ambos entram em cena numa posição estática (deitado na maca / sentado na coletoria de impostos), aos dois Jesus dá uma ordem para que abandonem suas posições originais assumindo uma nova realidade existencial (levanta-te / segue-me); tanto para o paralítico quanto para Mateus, o perdão dos pecados torna-se tema fundamental. Ademais, a reação dos escribas e fariseus diante das atitudes e ensinamentos de Jesus é idêntica: acusam-no de blasfemo e reprovam a sua proximidade com os pecadores e publicanos, não acreditam na sua divindade (poder de perdoar pecados) e rejeitam a sua missão (vim chamar os pecadores).

Sabemos que o objetivo fundamental dos evangelhos é responder à pergunta: quem é Jesus? Tal resposta expressa uma tomada de decisão: segui-lo ou persegui-lo; a narração do chamado de Mateus torna-se, portanto, uma ocasião para refletir sobre o caminho concreto que o ser humano deve fazer para encontrar-se com a verdade do evangelho que, por sua vez, ilumina a sua realidade a ponto de transformá-la. O encontro com a verdade do evangelho (salvação, perdão...) exige reconhecimento e aceitação da própria verdade pessoal e comunitária (pecado, enfermidade...). 

As duas cenas devem ser lidas numa perspectiva de ulterior desenvolvimento. O paralítico antes de ser curado de sua enfermidade física, recebe o perdão dos pecados: “Tem ânimo, meu filho; os teus pecados te são perdoados” (9,2); Mateus antes de ser declarado pecador que necessita de perdão (9,13), Jesus o faz levantar da coletoria de impostos, que o tornava simbolicamente um paralítico, imobilizado fisicamente por conta da sua profissão, com todas as consequências de paralisa moral, espiritual...

Para o paralítico Jesus ordena: “Levanta-te!”  e para Mateus: “Segue-me!”. A descrição que se faz no evangelho para indicar a resposta do publicano é impressionante: “Tendo se levantado, seguiu-o” (no grego: anastàs ekolouthesen). Do ponto de vista semântico traduzir ambas as expressões com o verbo levantar-se corresponde naturalmente ao sentido imediato dos fatos, porém, há um nível mais importante que não podemos secundarizar; os verbos diferentes usados no grego (egeiro, anistemi) e traduzidos no português por levantar-se, são utilizados metaforicamente para indicar a ressurreição (Mt 9,25: a menina levantou-se).  A própria ressurreição de Jesus é chamada de anastasis (Jo 11,24: “Eu sou a ressurreição”). Portanto, a atitude de Mateus pode ser traduzida: “tendo ressuscitado (abandonado a condição de morte), seguiu Jesus”. 

Mesmo que não seja o mais determinante, entre as duas cenas há mais um elemento comum: levam o paralitico até a casa de Jesus, e Jesus leva (é levado) para casa de Mateus. Entrar na casa de alguém só é possível se houver intimidade, familiaridade. Portanto, aqui encontramos o grande escândalo dos escribas e fariseus: Jesus perdoa pecados e acolhe os pecadores sentando-se à mesa com eles em sua casa e na casa deles. Dar a conhecer a alguém as nossas fraquezas, como opção pessoal, só é possível se tivermos absoluta confiança e intimidade com aquela pessoa. 

Considerar as duas cenas nos ajuda a identificar os dois aspectos fundamentais da missão: acolher os pecadores na casa (Igreja) para que façam a experiência escandalosa do amor de Deus que tem poder de perdoar, mas também ir em busca dos pecadores fora de casa (telônios atuais: periferias existenciais) para que escutem o chamado de Jesus “convidando-se” para ir primeiramente à casa deles: “Enquanto Jesus estava à mesa, na casa de Mateus”.

Muitas vezes queremos que as pessoas venham para Igreja, façam a experiência do encontro com o Senhor que é misericórdia e compaixão. Porém, o mesmo Senhor que acolheu, perdoou e curou aquele que veio à sua casa, saiu e foi ao encontro de Mateus no lugar menos indicado para um mestre conhecedor da Lei se encontrar. Fazer experiência do encontro é a condição fundamental para fazer experiência do chamado vocacional. A vocação, mesmo considerada na sua realidade plural, tem um único princípio e destino. É o único Senhor que chama para um único caminho: segui-lo para alcançar a plenitude da vida: “Quem me segue não andará nas trevas, mas terá a luz da vida” (Jo 8,12). 

A experiência do encontro com o Senhor, seja na sua ou na nossa casa, é sempre pro-vocação para nos desinstalarmos, norteados por atitudes: reconhecer-se pecador-doente, obedecer a palavra, levantar-se, converter-se, seguir...

O Senhor não nos perdoa para nos acomodarmos ao pecado, e muito menos nos chama para nos alojarmos comodamente num lugar, mas o imperativo fundamental é: Segue-me! Ele nos indica o caminho e permanentemente nos pro-voca, pois levantar-se da cama ou do telônio é condição fundamental para palmilhar o caminho da vida rumo ao levantar-se definitivo.




Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana