VII Domingo do Tempo Comum: Lc 6,27-38 - Amar é libertar-se dos afetos

Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ

O evangelho de hoje deve ser lido no seu contexto mais amplo (6,12-49), partindo da eleição dos 12 dentre o grupo mais amplo dos discípulos que acompanhavam Jesus (6,12-15) até o seu ensinamento sobre a coerência de quem assume ser seu discípulo (6,46-49), com suas consequências concretas.
Após ter constituído os 12 discípulos com uma missão específica (“deu-lhes o nome de apóstolos”), Jesus anuncia a fonte e a garantia da verdadeira felicidade para quem acolhe o seu chamado, isto é, as Bem-aventuranças, mas também o infortúnio para quem o rejeita por causa da autossuficiência e arrogância, pois se pensa já completo por causa dos bens materiais que possui (cf. V Domingo do Tempo Comum).
Ser discípulo de Jesus não é apenas estar de acordo teoricamente com o seu ensinamento, mas, antes de tudo, comprometer-se com a sua prática cuja raiz é o amor incondicional: “Amai os vossos inimigos, fazei o bem aos que vos odeiam”. Aqui se unem o princípio (amar) e a sua aplicação (fazer o bem), e próximo de nós está o critério para identificar o bem a ser feito: “O que vós desejais que os outros vos façam, fazei-o também vós a eles”.  Na perspectiva cristã, o ponto de partida para amar, sobretudo os inimigos, não é, como muitos equivocadamente pensam, algo que possamos fazer para expressar o nosso afeto ou amizade a quem não queremos bem, pois honestamente tais sentimentos não existem para com os nossos inimigos ou perseguidores. Tentar amá-los com essas expressões de afetos positivos poderia nos levar a atitudes teatrais inconsistentes e circunstanciais correndo o risco de serem desmascaradas e chamadas de demagógicas. Atitudes assim nos tornariam hipócritas e cínicos. 
Por isso, o primeiro passo para quem deseja viver o desafio evangélico do amor incondicional é contar com ajuda de quem pode, de fato, mudar os corações em vista do bem: “Bendizei os que vos amaldiçoam e rezai por aqueles que vos caluniam”. Bendizer e rezar são dois verbos que se encontram no campo da relação com Deus. Tanto o bendizer (falar bem, benzer, abençoar) quanto o rezar (prostrar-se, suplicar, interceder, pedir) dizem respeito ao bem que esperamos e pedimos que Deus faça aos nossos inimigos, já que humanamente não dispomos por nossas próprias forças da capacidade para tal. Portanto, o primeiro ato de amor não é o que fazemos, mas o que nós pedimos para que Deus faça. É Ele quem vai conceder a graça de iniciarmos um caminho de fazer o bem até aos nossos inimigos, pois também ele nos faz o grande bem adotando-nos como seus filhos, sem termos esse mérito: “Vossa recompensa será grande, e sereis filhos do Altíssimo, porque Deus é bondoso também para com os ingratos e os maus”.
O amor cristão, mesmo sem desconsiderar o aspecto afetivo-sentimental do ser humano, não se deixa condicionar por esse aspecto, mas lança suas raízes numa decisão racional, pois busca dar passos em vista de um bem maior: “Oferece... deixa levar...não peças...faze-o...”. Contudo, o critério fundamental é a misericórdia, mas aquela do Pai: “Sede misericordiosos, como também o vosso Pai é misericordioso”. A concepção e a prática da misericórdia não dependem do que compreendemos ou pensamos que ela seja; mas é a misericórdia do Pai revelada no seu Filho que nos ensina como ser misericordiosos. Assim como o amor (fazer o bem) não parte de nós, mas é fundamentalmente ação do Pai que responde ao nosso pedido (rezai e bendizei), também a misericórdia (expressão concreta do amor incondicional) não pode começar em nós. Quando a misericórdia e o fazer o bem são condicionados por afetos (amor humano) tornam-se frágeis e limitados; não conseguem ir além do que se espera e do que humanamente é possível realizar: “Se fazeis o bem somente aos que vos fazem o bem, que recompensa tereis?”.
O amor cristão cujas expressões concretas e motivações encontramos na prática de Jesus nos leva a reconhecer que não devemos amar apenas o que é digno de ser amado (critérios humanos, inclinações afetivas e naturais), mas somos chamados a amar a todos, inclusive os que não nos amam e não nos fazem o bem. Se os afetos nos atraem para o amor, o bem nos convence de amar.



Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana