Vigília Pascal: Mt 28,1-10 - Seu pé ferido nova estrada abriu

Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ

Santo Agostinho chama a Solene Liturgia desta noite de “a mãe de todas as vigílias”, pois nela nasce e se enraíza toda a liturgia da Igreja; cume do Tríduo Pascal, celebra-se de modo mais pleno a obra da redenção realizada por Deus através da morte e ressurreição do seu Filho. É a noite do novo nascimento para os catecúmenos e da renovação das promessas dos já batizados. A Igreja é chamada a aprofundar a consciência de sua identidade e missão; nascida do Lado traspassado do Salvador na cruz (batismo), nutrida pelo seu corpo e sangue (Eucaristia), deve ser luz no mundo.
Os quatro momentos que compõem a celebração (Rito da Luz, Liturgia da Palavra, Liturgia Batismal, Liturgia Eucarística) nos fazem mergulhar numa dimensão atemporal onde a lógica da cronologia linear perde o seu sentido; não há mais nem passado esquecido nem futuro desconhecido, pois, à luz da ressurreição do Crucificado, toda a história é relida e a eternidade se faz presente: Ele é o Alfa e o Ômega, Princípio e Fim. Assim, no princípio se anuncia o fim, e no fim realiza-se o princípio. Toda a celebração faz uma retrospectiva, mas também cria uma perspectiva, porém o eixo que as equilibra é a presencialidade da salvação.
1. No rito da luz se faz retrospectiva do princípio de tudo: existir é vir à luz. Contudo, a luz verdadeira é o Verbo eterno que entrou na história e, ao morrer e ressuscitar, iluminou definitivamente toda a criação.
2. Na Liturgia da Palavra faz-se a retrospectiva de todo o caminho de iluminação da Palavra de Deus ao longo da história. Contudo, é a Palavra Encarnada que se revela a luz verdadeira, a Palavra definitiva do Pai, o ponto mais alto da sua comunicação.
3. Na Liturgia Batismal faz-se retrospectiva dos grandes feitos do Senhor para dar vida à humanidade. Contudo, a vida plena é dom da morte e ressurreição de Cristo cujo penhor é o batismo.  
4. Na Liturgia Eucarística faz-se a retrospectiva do evento libertador de Deus para salvar o seu povo da escravidão. Contudo, a nova e definitiva aliança se estabelece na entrega de Jesus, cujo corpo e sangue partilhamos. 
A perícope evangélica proclamada nessa solene liturgia sintetiza esse movimento (retrospectiva-perspectiva). Mateus, no primeiro momento, evidencia a experiência da luz: “Ao amanhecer (grego: te epiphoskouse, ao estar reluzindo) do primeiro dia da semana”; corrobora com esta ideia o aspecto do anjo do Senhor (como relâmpago, vestes brancas: tudo evoca luz). Assim começamos a liturgia de hoje, experiência da luz. Em seguida, na palavra do mensageiro encontra-se uma referência à Palavra de Jesus para dizer que estava se cumprindo o que ele anunciou (característica fundamental da Palavra de Deus: anúncio-realização). Assim prosseguimos a liturgia ouvindo abundantemente a Escritura nas suas várias leituras. Num terceiro momento faz-se uma referência explícita à morte (crucificado) e ressurreição de Jesus (fundamento do batismo). Testemunhar o batismo dos catecúmenos é contemplar em mistério a realidade anunciada pelo anjo. Por fim, descrevendo a experiência das mulheres que estavam cheias de medo (retrospectiva: morte), mas que correm com grande alegria (na perspectiva) de dar a notícia aos discípulos, vemos a necessidade de voltar à comunidade (condição primordial para a celebração da Eucaristia). 
No auge da narrativa Jesus aparece no caminho diante delas (presencialidade) e as convida a alegrar-se e “As mulheres aproximaram-se e prostraram-se diante de Jesus, abraçando os seus pés”. Muito significativo que ao tocarem os pés (feridos) de Jesus, receberam a ordem: “Não tenhais medo. Ide anunciar aos meus irmãos que se dirijam para a Galileia. Lá eles me verão”. Celebrar a páscoa do Senhor é fazer a experiência de tocar os pés feridos do crucificado que abriram o caminho para os seus discípulos o seguirem indo para a Galileia, lugar onde tudo começou: “Vem Jesus da Galileia...” (Mt 3,13). Portanto, naquilo que parecia conclusão descortina-se um novo princípio. A Vigília Pascal é verdadeiramente a mãe, pois nos gera no Filho, filhos para continuar a sua missão no mundo, sendo luz.



Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana