V Domingo Tempo Comum: Mt 5,13-16 - Cristão salgado, mundo iluminado!

Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ

Diz um provérbio bastante conhecido: “Nos pequenos frascos, grandes perfumes”. É justamente isso que se pode dizer da perícope evangélica desse V Domingo do Tempo Comum; nesse pequeno texto de apenas quatro versículos encontramos o simples e profundo ensinamento sobre a identidade e a missão que o Mestre Jesus relembra aos seus discípulos de todos os tempos e lugares: “Vós sois o sal da terra, vós sois a luz do mundo”. Em primeiro lugar, estas palavras não são formuladas no imperativo: Sede o sal da terra e sede a luz do mundo! Mas Jesus faz uma afirmação, ratificando que não há distinção nem distância entre ser cristão e ser sal da terra e luz do mundo. A comparação já nos deixa em alerta; a realidade do ser cristão é algo que não se pode traduzir de uma maneira tão direta e objetiva em conceitos teóricos, por isso o uso da metáfora. Ser cristão não é iniciativa do ser humano, mas dom de Deus a toda pessoa que o acolhe. Deus, em seu Filho, nos faz sal para a terra, e luz para o mundo. 
No mundo antigo o sal tinha mais importância do que aquilo que hoje se diz dele. Até porque o sal industrializado que temos hoje perdeu seus principais e benéficos elementos. E, portanto, ficou apenas como cosmético de sabor e, em excesso, propugnador de muitos desequilíbrios no organismo. Mas na sua originalidade, o sal era tido como um produto de grande valor para a vida humana. Além de dar sabor aos alimentos, tinha o poder de conservá-los, era usado também com finalidades terapêuticas e medicinais. O sal tem um poder provocativo, aciona mudanças. Por ser tão indispensável e valioso, servia inclusive como moeda nas operações mercantis de romanos e gregos (daí a palavra salário para o ordenado que era pago aos soldados com sal). Poder-se-ia ainda acrescentar tantas outras propriedades e usos para falar da importância do sal.
Contudo, Jesus usando esta comparação evidencia duas coisas fundamentais: a indispensabilidade da missão do cristão no mundo e as consequências nefastas da sua infidelidade. O Mestre não se refere apenas ao fato de o mundo ficar insosso por falta do sal, mas ressalta o prejuízo para o próprio sal de ser insípido. Geralmente se traduz: “se o sal se tornar insípido, com que salgaremos?” Mas literalmente é preciso entender (grego: eàn dè tò halas moranthe, em tíni halisthesetai): “mas se o sal perder o sabor, com que ele será salgado?” Ou seja, como se recuperará no cristão a fé que ele perdeu? 
A realidade tem mostrado que é mais fácil despertar a fé em quem não a tem, do que recuperá-la em quem a perdeu. Portanto, a advertência de Jesus é em relação ao cuidado do próprio discípulo em relação à sua fé, pois perdendo-a resultará numa grande perda para o mundo.  O verbo tornar-se insosso (grego: moraíno), aplicado de forma figurada, adquire o sentido de tornar-se tolo, fazer besteiras, perder o interesse. Mais adiante Jesus dirá: “Sede prudentes como as serpentes e simples como as pombas” (Mt 10,16). Uma das causas que faziam o sal perder o seu sabor era ser misturado com outros elementos minerais. Segundo alguns estudiosos, o sal do Mar Morto, principal fonte de sal para a Palestina, era superior à maioria dos outros sais marinhos; estes estavam misturados com outros minerais e, portanto, com facilidade podia perder o seu sabor. A metáfora se aplica perfeitamente àquilo que o Papa Francisco vai chamar de acédia (“preguiça espiritual”) que leva a viver a vida cristã “sem as motivações adequadas, sem uma espiritualidade que impregne a ação” (EG 82), uma fé com pouca identidade, mesclada com todo tipo de mundanismo espiritual, acanhado espírito missionário e isenta de martírio. Provocativa é a denúncia do Papa: “É verdade que, em alguns lugares, se produziu uma «desertificação» espiritual, fruto do projeto de sociedades que querem construir sem Deus ou que destroem as suas raízes cristãs. Lá, o mundo cristão está se tornando estéril e se esgota como uma terra excessivamente desfrutada que se transforma em poeira” (EG 86). Isto é a consequência do sal que perde o seu sabor.
Enquanto sal com sabor sublinha a identidade do cristão, o ser “a luz do mundo” ressalta a sua vocação. Contudo, o cristão não tem luz própria, ele não é sol, ele é a lâmpada que é acesa e colocada num lugar alto. Como luz não deve chamar atenção para si, mas quando refletida na realidade favorece enxergá-la de modo mais nítido e profundo. Portanto, ser luz é tornar-se instrumento da verdade, é fazer ver, conhecer e libertar-se. Uma luz que se esconde perde a sua razão de ser, não aquece nem ilumina. Para o cristão a grande prova de que a sua vida é luz é quando suas atitudes (boas obras) levam os homens a glorificar o Deus que está no céu. Glorificar não significa em primeiro lugar entoar louvores e cânticos a Deus, mas antes de tudo, perceber a sua manifestação concreta aqui na terra. Glória (grego: doksa, vem do verbo dokeo que significa aparecer, mostrar). Portanto, Deus será visto (glorificado) quando aqueles que nele acreditam, através de suas boas obras, tornarem a terra saborosa e o mundo iluminado.



Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana