V Domingo da Páscoa: Jo 14,1-12 - Por Jesus ao Pai: a páscoa da comunidade

Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ

Celebrar a Páscoa de Jesus é anunciar que o caminho para o Pai, a fonte de vida em plenitude, está aberto e acessível a todos; e a cruz do Senhor é a sinalização segura e indispensável para não errar a direção certa desse itinerário pascal. Por conseguinte, quem quiser chegar a essa fonte precisa aderir a esse caminho (com fé), reconhecendo a verdade (na Palavra) e escolhendo a vida definitiva (pela conversão). Diante da necessidade de chegar ao destino desejado, a falta de clareza do caminho a ser tomado e a ausência de sinais que apontem a direção correta perturbam o coração do viajante nesse seu êxodo existencial. Se por um lado, o ser humano não pode negar o seu desejo irresistível de alcançar a meta de sua peregrinação, por outro, muitas vezes encontra-se perdido sem saber por onde ir e aonde ir.
Os discípulos têm o coração turbado porque percebem que chegara a Páscoa de Jesus, a sua volta para o Pai (Jo 13,1) e, ao mesmo tempo, passam pela crise diante do vazio existencial que isso provocará neles: “Mas porque vos disse isto, a tristeza encheu os vossos corações” (Jo 16,6). Contudo, Jesus indica-lhes como superar essa perturbação: “Não se perturbe o vosso coração. Tendes fé em Deus, tende fé em mim também”. O coração perturbado dos discípulos é uma reação ao anúncio da traição de Judas (Jo 13,21) e da negação de Pedro (Jo 13,38), porém o verbo utilizado (grego: tarasso, ficar agitado, perturbado) aparece também para indicar a reação de Jesus diante da morte de Lázaro (Jo 11,33). Portanto, o que faz o coração dos discípulos perder a paz é a iminência da morte de Jesus, pois o Mestre morrendo, o que será dos seus discípulos?
Sem a fé, eles não poderão vencer essa perturbação; é a condição fundamental para superar a crise. Contudo, a fé deve ser compreendida como convicta adesão (grego: pistis; hebraico: ‘aman, firmar, resistir, aderir; tem aspecto concreto de estabilidade, como o prego fixo num lugar: Is 22,25); implica fidelidade permanente, prova concreta de quem ama: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra e meu Pai o amará e a ele viremos e nele estabeleceremos morada” (Jo 14,23). Estabelecer morada é próprio daqueles que se amam.
Por isso, Jesus apresenta o Pai como aquele que tem uma casa (grego: oikia, pode ser traduzido por lar, a casa como convivência, não apenas como construção –oikos), onde há muitas moradas (grego: movai, derivado do verbo mevo, morar, permanecer. A morada era compreendida também como o abrigo desejado pelos peregrinos no final de um longo percurso: Sl 22,6). O Pai é aquele que é fiel, leal, tem morada fixa, pois é a fonte da vida plena. Mas como chegar até lá? Já desde o início do evangelho encontramos o desejo de os discípulos saberem onde é a morada de Jesus: “Mestre, onde moras?” (Jo 1,38, grego: meneis, moras, permaneces). Jesus não responde com uma indicação topográfica, mas fazendo um convite: “Vinde e vede”; os discípulos acolheram o convite: “foram e viram onde ele morava e permaneceram (grego: emeivan, moraram, permaneceram) com ele, aquele dia” (Jo 1,39). 
É muito significativo que no evangelho de João, os primeiros discípulos de Jesus iniciem a sua experiência com o Mestre fazendo caminho com Ele até a sua morada; tal experiência lhes favoreceu o encontro com a verdade da Palavra de Deus que se realiza: “Encontramos aquele de quem escreveram Moisés, na Lei, e os profetas: Jesus...” (Jo 1,45). O ponto mais alto desse encontro com os primeiros discípulos é o anúncio de que verão coisas maiores: “Vereis o céu aberto e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do Homem” (Jo 1,51). Ele é o único acesso à vida plena, pois é a escada de subida para a casa do Pai, mas também a revelação de que o Pai se faz conhecer por Ele: “Quem me vê, vê o Pai”. Toda a vida de Jesus aqui na terra foi uma constante preparação, no coração dos seus discípulos, de uma morada para o seu Pai. Agora, voltando para o Pai, vai preparar morada para aqueles que, pela fé já aderem, acolhem essa presença do Pai no Filho.
Tanto Tomé quanto Felipe manifestam uma incompreensão diante do ensinamento de Jesus, pois ainda precisam fazer a experiência com o Senhor morto e ressuscitado. Só a partir da Páscoa de Jesus poderão iniciar a própria páscoa. Tomé tinha afirmado quando Jesus decidiu voltar para a Judeia, por ocasião da morte de Lázaro: “Vamos também nós para morrermos com ele” (Jo 11,16). Porém, não amadurecera ainda na fé, pois exigiu sinais para crer, isto é, de fato não conhecia o caminho para chegar até o Pai: crer no Filho. Felipe, por sua vez, não conseguiu ver, para além do sinal dos pães e peixes multiplicados (Jo 6), a revelação de que Jesus era o pão descido do céu, dado pelo Pai para a vida do mundo, e, por isso, quer ver o Pai para ter a vida garantida.
Jesus lança um desafio aos seus discípulos: “Crede em mim”. Crer em Jesus significa reconhecê-lo como o caminho para o Pai, ou seja, chega-se ao Pai seguindo o Filho, cuja vida está sintetizada no mandamento do amor: “Como eu vos amei, amai-vos uns aos outros” (13,34); como dirá coerentemente Paulo: “Passo a indicar-vos o caminho que ultrapassa a todos: o amor” (1Cor 12,31-13-13). Crer em Jesus é reconhecê-lo como a verdade que faz enxergar e, por isso, liberta e possibilita caminhar na luz quando conhecemos a sua palavra. Crer em Jesus significa reconhecê-lo como a vida, garantida pelo Espírito que Ele comunica. Crer em Jesus é ser conduzido por Ele ao Pai, fazendo acontecer a sua Páscoa em nós: sendo morada do Filho na terra para poder estar na morada do Pai no céu.



Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana