Solenidade de todos os Santos e Santas de Deus: Mt 5,1-12a - As bem-aventuranças: uma subida possível

Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ

São Gregório de Nissa (Sermões sobre as Bem-aventuranças) afirma que as Bem-aventuranças são como os degraus de uma escada que conduz ao céu. Usando essa imagem, poderíamos dizer que Jesus, subindo a montanha (versão de Mateus) para lá proclamar quem são os bem-aventurados, não apenas deslocou-se geograficamente, mas indicou de forma simbólica o itinerário existencial-espiritual de todo ser humano que deseja alcançar a verdadeira realização, a santidade, a vida plena. É preciso ter a coragem de seguir seus passos, abandonar uma vida medíocre, acomodada a uma planície rasteira, sem desafios, talvez fácil de caminhar, mas que não leva a nenhum lugar.  
As nove Bem-aventuranças indicam três etapas nessa longa caminhada. As três primeiras dizem respeito às dificuldades iniciais de quem decide subir a montanha seguindo o Bem-aventurado por excelência, as seguintes estão relacionadas à necessidade de perseverança e fidelidade para não desistir da subida, e as três últimas coroam a subida ressaltando a importante missão do cristão no mundo, pois está consciente da sua recompensa feliz no céu.  
A primeira etapa compreende as três primeiras condições fundamentais para começar a subir a montanha. Enquanto a mentalidade materialista e hedonista propõe uma felicidade garantida pela riqueza, prazeres e honras humanas, Jesus ensina que só é feliz quem é pobre, aflito e manso. A primeira bem-aventurança: “Bem-aventurados os pobres em espírito”, apresenta o ponto de partida, pois quem deseja subir uma montanha precisa estar despojado ao máximo, não pode levar peso nem bagagens excessivas, pois caso contrário, à medida que for subindo, não terá forças para continuar. Portanto, bem-aventurado é aquele que descobriu que a sua vida é uma subida e quanto menos peso tiver que levar, mais facilmente alcançará o cume da montanha, mesmo que seja muito alto. O apego as coisas materiais, a pessoas, e até a si mesmo, torna a subida mais demorada e cansativa; o cansaço inevitável abaterá o caminhante e este não terá forças para chegar a sua meta.
A segunda bem-aventurança: “Bem-aventurados os aflitos”, indica a consequência imediata de quem despojou-se de tudo: passa pela aflição da privação, confronta-se com a tentação de não poder continuar a subida porque lhe faltam segurança material e apoio humano, mas se perseverar, encontrará o consolo (no sentido bíblico: presença solidária), não se sente sozinho, abandonado, pois já sabe qual o destino da subida. A terceira bem-aventurança: “Bem-aventurados os mansos”, são aqueles que depois de terem passado pela aflição do despojamento, consolidam a sua decisão de subir a montanha e, por isso, alcançam a serenidade que os torna seguros no caminho.
A segunda etapa compreende as três bem-aventuranças seguintes que indicam a disposição de perseverança e fidelidade, que impedem de desistir da subida. “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça (fazer a vontade de Deus)”, esta bem-aventurança evidencia a razão pela qual quem decidiu subir a montanha e, tendo superado as primeiras dificuldades, não desistirá da sua busca. O motivo que o leva a subir a montanha não está em si mesmo, mas no desejo irresistível de realizar a vontade daquele que o convidou a fazer a subida. E fazer a vontade de Deus é compartilhar daquilo que lhe é próprio, isto é, ser misericordioso. Ser bem-aventurado misericordioso é sinal de que já se alcançou uma altura considerável da montanha, pois a misericórdia é de Deus e torna-se misericordioso quem mais próximo dele estiver. Através da misericórdia, purificar-se-á o coração a ponto de poder ver a Deus sobretudo naqueles com os quais for misericordioso.
A terceira e última etapa da subida, paradoxalmente, indica a chegada não ao céu, mas à terra, pois é lá que “Bem-aventurados são os que promovem a paz”, o shalom de Deus é fruto da instauração do seu Reino, cuja chegada Jesus anunciou ao iniciar a sua missão (Mt 4,23). Uma paz que provoca conflitos e proclama “bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça”, pois é a paz construída a partir da verdade que liberta e da justiça que cria um mundo novo. Por fim, o cume da montanha se alcança com a fidelidade à missão: “Bem-aventurados sois vós quando vos injuriarem e perseguirem... por causa de mim”. No topo da montanha está o despojamento absoluto, a participação no destino do Mestre, a disposição de dar a vida por Ele e pelo seu Reino. 
Ser santo é aceitar o convite de subir esta montanha para ficar mais próximo de Deus empenhando-se ainda mais na construção do seu reino aqui na terra, pois só assim poderemos ter a certeza de ouvir: “Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus”.



Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana