Solenidade de São Pedro e São Paulo: Mt 16,13-19 - A Rocha da fé

Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ

A Solenidade dos Santos Pedro e Paulo não pretende simplesmente prestar uma justa homenagem àqueles que são considerados as colunas da Igreja Primitiva, mas antes de tudo, é memorial da Páscoa Daquele que é o alicerce sobre o qual essas colunas se levantaram e o fundamento de todo o Edifício, a Igreja, o Corpo de Cristo. A celebração de hoje nos recorda que a fé cristã não é algo individual, mas é um dom concedido por Deus para edificar a sua Igreja, a comunidade dos filhos e filhas de Deus chamados à vida plena. Os apóstolos, primeiras testemunhas da fé, ocupam lugar privilegiado no edifício cujas bases foram edificadas pelo seu testemunho e ensinamento. Contudo, no alicerce de tudo está a adesão a Cristo, a fé-dom que se torna fé-resposta. 
Depois de ter convivido algum tempo com os seus discípulos, Jesus os interroga sobre a sua identidade e missão. Num primeiro momento, o Mestre quer saber o que o povo diz sobre aquela figura misteriosa do Antigo Testamento chamada: “Filho do Homem” (Dn 7,13). A resposta é confusa, não se tem a certeza de quem é, de fato, este personagem. De João Batista ao profeta Jeremias, passando por Elias, enfim, até algum antigo profeta. Caso um desses citados fosse o Filho do Homem, não passaria de uma expectativa frustrada, pois todos, àquelas alturas, já estavam mortos. Mateus é o único evangelista que distingue a pergunta feita por Jesus em relação aos dois personagens diferentes: O filho do Homem e o próprio Jesus. Os outros evangelistas formulam a pergunta como se Jesus estivesse se referindo ao que o povo pensava sobre Ele, e, em seguida, o pensamento dos discípulos.
A resposta de Simão Pedro é direta: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo”. Ainda que Simão Pedro não saiba exatamente o que estava dizendo (basta continuar o texto para comprovar isso: Mt 16,31-23), Jesus o declara bem-aventurado, mas ao mesmo tempo afirma que foi o Pai que está no céu quem revelou a Simão essa verdade de fé. A vocação dos discípulos é um dom que o Pai concedeu ao Filho, quando lhe pedira em oração (ver Mt 9,38), portanto não foi pura intuição humana (carne e sangue) que permitiu a Simão confessar tamanha fé. Por conseguinte, recebido o dom, cresce a responsabilidade: “Por isso eu te digo que tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja”.  O jogo de palavras (Pedro-Pedra) só se permite no grego, pois há mudança de gênero, mas no aramaico a palavra é sempre a mesma (Kefas). Inútil fazer a distinção que pretendem alguns para esvaziar a força da expressão “pedra” atribuída a Pedro (assim como em algumas línguas, por exemplo o francês, Pierre pode ser pedra ou Pedro. Não há uma palavra na forma feminina e outra na masculina).      
Ao usar essa metáfora, Jesus proclama que tanto a fé (Nele) como aquele que crê (Nele) são verdadeiramente “pedra”, isto é, têm fundamentos sólidos. Em Mt 7,24s Jesus já havia usado a metáfora da pedra para indicar o modo autêntico de viver do discípulo: “Aquele que ouve estas minhas palavras e as põe em prática será comparado a um homem sensato que edificou a sua casa sobre a rocha (kepha)”. Portanto, não pode haver dicotomia entre o crer e o crente. Pois o crente se define por aquilo que acredita, e a fé torna-se a sua identidade no mundo, assegurando-lhe a firmeza necessária para não se deixar sucumbir diante da tentação de abandonar ou ideologizar a fé (ver Mt 7,13-23).
A proclamação de fé de Pedro (confissão) sintetiza a fé eclesial: Jesus, “o Messias (Cristo), Filho do Deus vivo”. Partindo da expectativa de fé do Povo de Israel que acreditava que Deus enviaria o seu Messias, Pedro ultrapassa essa expectativa e proclama que Jesus é mais do que o Messias esperado, é o próprio Filho do Deus vivo. Portanto, esta segunda parte representa a diferença fundamental entre a fé judaica e a fé cristã. Admitir que Deus envia um Messias não contradiz a lógica da fé judaica; esta era a fé primitiva de Simão; mas reconhecer que esse Messias é o Filho de Deus, isso só era possível acolhendo a revelação do Pai, isto é um dom da fé cristã. 
Por isso, Simão é bem-aventurado (grego: makarios, plenamente feliz) porque vê e ouve o que muitos profetas e justos desejaram ver e não viram, ouvir e não ouviram (Mt 13,16-17). A resposta de fé é o novo fundamento (rocha) sobre o qual será edificada a comunidade (ekklesia) do Messias, Filho do Deus vivo: “Edificarei a minha Igreja”. É a Comunidade comprometida com a Palavra do Senhor (“escuta a minha palavra e a põe em prática"), que assume a missão de lutar contra o mal: “As portas do Inferno nunca prevalecerão contra ela”. No horizonte histórico, na sua missão de mediação, a Igreja realiza a tarefa de abrir ou fechar o acesso ao Reino dos Céus, não tanto como detentora de um poder arbitrário, mas como depositária de uma Palavra que anuncia a vontade de Deus, mas também denuncia tudo aquilo que se opõe ao Reino: “tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e o que desligares na terra será desligado nos céus”. 
Recebendo as chaves do Reino dos Céus, Pedro não se torna o dono da comunidade, nem assume o lugar do Mestre, como se fosse o seu sucessor. Mas deve ser “o servo fiel (fé) e prudente (sabedoria) que o Senhor constituiu sobre a criadagem, para dar-lhe o alimento em tempo oportuno. Feliz (bem-aventurado) aquele servo que o senhor, ao chegar, encontrar assim fazendo” (Mt 24,45s).  
Neste dia em que rezamos especialmente pelo Papa, renovemos a nossa súplica ao Senhor que o constituiu o servo da sua Igreja, a fim de que seja sempre fiel a esta sua missão, e que sua fé o torne cada vez mais Pedro.



Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana