Solenidade de São Pedro e São Paulo: Mt 16,13-19 - A fé: a Pedra Bem-aventurada!

Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ

A Solenidade dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo evidencia, antes de tudo, o alicerce fundamental da Igreja: a fé. A liturgia de hoje não nos faz pensar sobre uma fé teórica, conceituada abstratamente, mas nos convida a contemplar, no horizonte vivencial e concreto, o que significa crer e quais as consequências de crer. Pedro e Paulo não são mitos fundadores de uma religião, mas pessoas concretas que testemunharam, para além de suas fraquezas e misérias, em quem acreditavam, e deram provas, com a vida e com a morte, de como creram (1ª Leitura). A fé que professaram é dom de Deus que, uma vez acolhido, enraizou-se e tem dado muitos frutos ao longo da história. Por outro lado, essa fé não é nem privilégio pessoal nem muito menos patrimônio individual; vivenciada comunitariamente de modo coerente, pode tornar-se a grande ajuda para uma humanidade que é descrente porque não sabe em quem acreditar e como acreditar, perdendo, assim, a sua identidade. No testemunho de quem crê, encontra-se uma razão para viver, e na esperança de quem crê, um motivo suficiente para não ter medo de morrer (2ª Leitura).
A experiência de fé de Pedro e Paulo e, naturalmente, de toda a Igreja, tem como fundamento o encontro com a pessoa de Jesus e se edifica no seu seguimento. Esse encontro, porém, não é fruto de uma iniciativa humana: “Feliz es tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi nem sangue nem a carne que te revelaram isso”; pois não é o ser humano que busca a Deus, mas é Ele mesmo que vem ao encontro da sua criatura por excelência, quando a chama à existência e à plenitude de vida.
O evangelho de hoje nos apresenta um momento imprescindível no caminho do seguimento de Jesus, isto é, a decisão de conhecê-lo mais profundamente. Portanto, a pergunta que Jesus dirige aos discípulos, de forma didática em dois seguimentos, marca decididamente esse caminho. Fica claro que não basta apenas dizer o que os outros afirmam: “Quem dizem os homens ser o Filho do homem?”, mas é preciso também dizer o que, a partir da convivência com Ele, conhecemos sobre Ele. A resposta deve ser pessoal, o que não significa intimismo ou espiritualismo individualista, pois ninguém conhece Jesus se não é capaz de acolher o testemunho da experiência dos outros que também fizeram o encontro com Ele, na comunidade, a Igreja querida e edificada pelo próprio Senhor; é ela o lugar por excelência do encontro e do conhecimento da sua Pessoa. Pois à medida que a convivência com Ele vai transformando os seus discípulos de todos os tempos, é que se aprofunda o conhecimento de quem Ele verdadeiramente é.
Em Mateus a pergunta de Jesus é: “Quem dizem os homens ser o Filho do homem?” É significativamente diferente de Marcos (8,27) e Lucas (9,18) que formulam: “Quem dizem os homens que eu sou?”. A resposta de Mateus é coerente: “Dizem que é João Batista; outros que é Elias; outros ainda que é Jeremias ou algum dos profetas”. Portanto, a pergunta e a resposta não se referem diretamente a Jesus, mas àquele personagem enigmático já anunciado no Antigo Testamento cuja vinda se aguardava (O Filho do homem: Dn 7,13). A resposta dos discípulos é coerente com as expectativas do povo. Fazendo uma retrospectiva cronológica, começam por João Batista, o profeta mais recente, aquele que assumiu características escatológicas, na mesma linha do profeta Elias, que era o profeta aguardado como precursor do Messias (Mt 17,10-11), chegando até Jeremias, o profeta sofredor do tempo do exílio que anunciava a Nova Aliança firmada no coração (Jr 31,33), por fim, não se sabe ao certo, mas se pensava que era um dos profetas. Até então, tudo muito lógico segundo as “especulações teológicas” do tempo e da tradição, agora Jesus lança o grande desafio da fé: “E vós quem dizeis que eu sou?”. A resposta de Simão Pedro, que dá voz ao grupo: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo” contém duas afirmações paradoxais. A primeira em continuidade com as expectativas do Antigo Testamento e tradição judaica, isto é, a espera do Messias; mas a segunda totalmente dissonante, incoerente e escandalosa: o Messias ser filho de Deus, e, portanto, Deus. Aqui está a diferença basilar entre o Cristianismo e todas as outras religiões, sobretudo o Judaísmo. Não é tanto afirmar que Jesus é um profeta, um messias, mas é crer que Ele é o Filho de Deus; isso extrapola todas as concepções e expectativas religiosas. Só a fé torna-se rocha para suportar esse “terremoto”, essas mudanças fundamentais do crer, com consequências para o ser.
Por isso, Jesus chama Simão de Kephas (aramaico traduzido para o grego: petra; português: rocha, pedra). A mesma palavra que se encontra no ensinamento de Jesus sobre o modo autêntico de viver como seu discípulo: “Todo aquele que ouve essas minhas palavras e as põe em prática, será comparado a um homem prudente que edificou a sua casa sobre a rocha (petra)” (Mt 7,24s). Portanto, a fé se expressa na prática da palavra de Jesus, que por sua vez, revela a vontade de Deus. 
Vale salientar que esta palavra (kephas) não tem variação de gênero em aramaico, portanto, Pedro e Pedra, são a mesma palavra. Por conseguinte, se a pedra representa a fé, esta deve ser a identidade de quem crê. Não há separação entre o crer e o ser discípulo. Caso contrário, a casa estaria edificada sobre a areia, destinada à queda.  
Jesus declara que a fé unifica numa mesma pessoa o seu ser e o seu crer: “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja”. Destarte, a fé não é algo que temos, mas algo que nos faz ser, mais que uma eficácia formativa é uma força performativa. E, portanto, como filhos do Eterno, somos destinados à eternidade, porquanto tudo aquilo que se liga na terra se liga no céu, e tudo o que se deliga na terra se desliga no céu. Feliz é aquele que sustentado na rocha da fé, se transforma em corpo de Cristo (Igreja), o rochedo da nossa salvação.



Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana