Solenidade da Imaculada Conceição: Lc 1,26-38 - A Imaculada e o Casto: nem a morte os separa

Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ

Na Solenidade da Imaculada Conceição de Nossa Senhora deste ano de 2021, também se encerra o ano de São José, instituído pelo Papa Francisco a fim de comemorar os 150 anos da proclamação de São José como patrono da Igreja, feita pelo Beato Pio IX, através do decreto Quemadmodum Deus (Assim como Deus...), assinado em 8 de dezembro de 1870. Muito significativo que tal proclamação esteja explicitamente relacionada com a Solenidade hodierna, pois São José aparece sempre no evangelho como esposo de Maria e pai de Jesus, fato que confirma a sua grandeza, como afirma o papa Francisco na sua carta apostólica Patris Corde. Tal grandeza do humilde carpinteiro de Nazaré, esposo da Virgem Maria, se expressa em 7 aspectos que marcaram a sua paternidade e relação esponsal, desenvolvidos pelo Pontífice na sua Carta apostólica:  
1. Pai amado: José foi, sem dúvida, amado pela sua esposa; nas palavras do Anjo Gabriel no evangelho de hoje, deixa-se entrever quão profundo foi esse amor: “Uma Virgem prometida a um homem chamado José”. Maria é apresentada como aquela que fora dada por noiva a José (grego: emnesteuménev); há já laços de compromisso real e definitivo. Portanto, sem a certeza de ser amado, tal compromisso não seria possível. Um amor que se traduzirá em capacidade de sacrificar-se, oferecer-se pela amada, a ponto de redimensionar toda a sua vida para colocar-se a serviço do plano salvífico.
2. Pai na ternura: ternura em grego é uma das expressões do amor entre familiares. José cresce nessa capacidade à medida que assume a sua missão junto a Maria e Jesus. O anjo Gabriel apresenta José como membro de uma família cujas raízes o inserem na longa tradição do povo de Deus: “Ele era descendente de Davi”, povo amado por Deus e, portanto, objeto da sua ternura: “Deus trata com carinho e proteção o seu povo” (Sl 124,2). O menino gerado no seio da sua esposa receberá o trono de Davi, chamado seu pai segundo a descendência humana. Na ternura de José, Jesus viu como o Pai do céu é terno e amável. Na ternura de José para com Maria, Jesus viu como o Pai do Céu amava aquela que aceitou ser sua mãe.
3. Pai na obediência: Uma das condições fundamentais para o relacionamento conjugal é a capacidade recíproca de escutar. Sem esta, a obediência autêntica se torna impossível. Maria escuta o que o anjo lhe diz: “Não temas, Maria”, José também une-se à sua esposa a partir da mesma disposição: “José, filho de Davi, não temas receber Maria, a tua esposa” (Mt 1,20). Ambos firmam a aliança matrimonial na escuta-obediência à vontade de Deus, a fim de realizar a salvação do seu povo. A Virgem é desposada com um homem chamado José, cognominado justo; e justo é aquele que faz a vontade de Deus, discernida no silêncio, e assumida na obediência.   
4. Pai no acolhimento: a corajosa atitude de José em acolher Maria encontra seu fundamento, antes de tudo, no acolhimento da vontade de Deus. Mais uma vez os dois reforçam seus laços esponsais no chamado de Deus e não em seus projetos pessoais compartilhados horizontalmente. O acolhimento recíproco é fruto do acolhimento do desígnio de Deus para as suas vidas. Acolher e ser acolhido configuram as atitudes principais do casal de Nazaré. José ao acordar do pesadelo individual, transformado em sonho de casal, acolhe Maria em sua casa. Maria, ao responder sim à Palavra do anjo, dirige-se apressadamente à região montanhosa para proclamar as maravilhas de Deus na sua vida e na vida do seu povo, e para testemunhar que para Deus nada é impossível. O anjo, ao retirar-se, não a deixa sozinha diante da árdua missão que recebe, pois ela nunca esteve sozinha: “O Senhor está contigo”, e sendo noiva de José, terá um companheiro que não mais a abandonará.   
5. Pai com coragem criativa: a criatividade de José diante de situações-limite que devia enfrentar não consistiu em inventar saídas mirabolantes movidas por ousadia irresponsável ou fuga covarde. Mas, antes de tudo, a sua coragem criativa se concretizou a partir de decisões coerentes fundamentadas na fidelidade ao chamado de Deus que havia transformado seu pesadelo devastador em sonho realizável; a perseverança na obediência iluminou o caminho para que o impossível aos olhos humanos acontecesse com a sua colaboração. Diante das dificuldades, não reivindicou para si e sua esposa socorros extraordinários dada a magnitude da missão que de Deus receberam. A sua coragem criativa foi sinal de que não se infantilizou numa fé ingênua, mas de alguém que amadureceu na responsabilidade própria de quem crê.
6. Pai trabalhador: três são as referências explícitas que encontramos nos evangelhos em relação ao homem justo, São José (pai de Jesus, esposo de Maria, carpinteiro). Uma das primeiras referências que encontramos na Bíblia (seguindo a ordem canônica dos livros) em relação a Deus é o seu fazer, a sua atividade, isto é, trabalhando, realizando a criação. Um trabalhador que durante 6 dias realiza suas obras, e no sétimo dia descansa. Se José foi chamado por Deus para ser o pai do seu Filho, portanto, não poderia ser uma referência paterna artificial, o ser trabalhador de José não é apenas um detalhe de contexto, mas uma condição necessária para realizar fielmente a sua paternidade. Maria no seu Magnificat canta justamente as obras maravilhosas que Deus realizou (criação, êxodo, salvação...). José na carpintaria não apenas garantia o pão à sua família, mas se tornava ícone do Deus que trabalha, sendo exemplo e modelo para o filho que também trabalha (“Meu Pai trabalha sempre, eu também trabalho” Jo 5,17). Maria, ao aceitar ser mãe coloca-se numa disponibilidade do trabalhador mais humilde e gratuito: “Eis aqui a serva do Senhor”. Jesus utilizará a imagem do servo para indicar a obra essencial da sua missão: “Não vim para ser servido, mas para servir” (Mt 20,28).   
7. Pai sempre na sombra: O papa Francisco na carta apostólica do ano de São José afirma: “Com a sugestiva imagem da sombra, apresenta a figura de José, que é, para Jesus, a sombra na terra do Pai celeste: guarda-O, protege-O, segue os seus passos sem nunca se afastar d’Ele. Lembra o que Moisés dizia a Israel: «Neste deserto (…) vistes o Senhor, vosso Deus, conduzir-vos como um pai conduz o seu filho, durante toda a caminhada que fizeste até chegar a este lugar» (Dt 1,31). Assim José exerceu a paternidade durante toda a sua vida”. Seria impossível não ver a relação explícita entre a imagem da sombra (de José) com a experiência da Encarnação do Verbo em Maria, como anuncia o Anjo: “O Espírito virá sobre ti, e o poder do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra” (grego: episkiásei, sombrear). Por conseguinte, é o casal que está sob a sombra, que no Antigo Testamento é o modo de dizer, sob as asas de Deus, sob a sua proteção.
Ter como moldura do ano de São José a Solenidade da Imaculada Conceição (08.12.2020 – 08.12-2021) não se justificaria apenas como uma delimitação cronológica, mas a sua razão fundamental está na relação essencial que uniu este casal: fazer a vontade de Deus e colaborar na realização da sua obra salvífica. Em Maria o Verbo se fez carne; sob os cuidados de José, o Filho cresceu em idade, sabedoria e graça. Maria não é apenas agraciada com um favor de Deus, mas é plena da graça de Deus, o Verbo fez dela sua santa e imaculada morada, cujo guardião foi aquele que recebeu o privilégio de ser seu pai na terra.


Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana