Santa Maria, Mãe de Deus: Lc 2,16-21 - Não a fez deusa, mas a quis Mãe

Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ

Ainda ressoa aos nossos ouvidos a solene proclamação do evangelho da noite de Natal: “Quando completaram-se os dias para o parto, Maria deu à luz o seu filho primogênito” (Lc 2,7). É justamente este o momento no qual se cumpre plenamente a palavra do anjo: “Eis que conceberás e dará à luz um filho” (Lc 1,32); e no alegre anúncio do Anjo do Senhor aos pastores, também, se confirma que uma mulher deu à luz: “Encontrareis um recém-nascido” (Lc 2,12). Portanto, não há dúvidas de que essa mulher, Maria, a esposa de José, que hoje recordamos na liturgia, é verdadeiramente mãe. Porém, afirmar simplesmente a sua maternidade não justificaria fazê-lo numa liturgia, pois a liturgia não é quadro de avisos nem muito menos lugar de anúncio de efemérides, mas é o espaço reservado exclusivamente para o louvor e a adoração de Deus. Destarte, a fim de que não se fira o espírito e a natureza do culto divino, faz-se necessário afirmar quem é esse filho que dela nasceu, e o fazemos proclamando a verdade de que Maria é Mãe de Deus. Consequentemente, tal proclamação de fé nos conduz ao centro do mistério fundamental do Cristianismo: Jesus, verdadeiramente homem e verdadeiramente Deus, é o Verbo Eterno que é Deus desde sempre e que, na plenitude do tempo, se encarnou no seio de uma mulher de verdade, Maria, que por sua vez, é verdadeiramente a sua mãe. 
No seio de Maria, a divindade se uniu à humanidade, o Deus invisível tornou-se visível. Portanto, ela é aquela que deu à luz um menino que é Deus. Já no momento da anunciação, antes mesmo de ser concebido, o anjo Gabriel já afirmara que este menino seria chamado Jesus. Nome que lhe foi dado oficialmente oito dias depois do seu nascimento por ocasião da circuncisão, que mais do que rito de declaração de pertença a um povo, foi a ocasião do anúncio do que Ele iria realizar pelo seu povo, isto é, a salvação. Ainda que este nome signifique “Deus salva” (Mt 1,21), ele poderia ser interpretado como mais um nome de uma longa tradição marcadamente religiosa que costuma relacionar pessoas, coisas e lugares à divindade (Bet-El: casa de Deus; Isra-El: luta com Deus). Contudo, as palavras do mensageiro celeste não deixam espaço para esse tipo de consideração, pois tal nome não é um simples título de honra ou uma homenagem aos deuses, mas é a realidade de uma pessoa: “Será grande, será chamado filho do Altíssimo...O Santo que nascerá de ti será chamado filho de Deus” (Lc 1,32.35). 
Para não haver dúvidas sobre a realidade divina deste menino que vai nascer, o Espírito Santo se encarregou de confirmá-la pela boca de Isabel quando esta gritou: “Donde me vem a graça que a Mãe do meu Senhor me visite?” (Lc 1,43). Não se dirigiu a Maria apenas com gestos de cordialidade de quem recebe em casa uma parenta estimada, mas a sua reação foi de verdadeira reverência religiosa que reconhece a grandiosidade daquela maternidade, pois o filho carregado naquele ventre é o Senhor (Kyrios na Bíblia grega é utilizado para Deus). Portanto, antes mesmo que a Igreja proclamasse o Dogma da maternidade divina de Maria, a própria revelação da Sagrada Escritura já dava testemunho disso. 
O reconhecimento desta verdade de fé proclamada solenemente como dogma pelo Concílio de Éfeso (431 d.C., Teotokos: aquela que deu à luz Deus), está em plena sintonia e coerência com o fundamento da nossa fé: Jesus é verdadeiramente Deus e homem. Afirmar que Maria é Mãe de Deus não é fazer dela uma deusa, mas reconhecer que Deus ao encarnar-se quis ter uma mulher por mãe. E a verdade da encarnação exige que ela seja uma mãe humana, de carne e osso. Caso contrário, de onde o Verbo tomaria a carne que ele assumiu ao fazer-se um de nós?
Como mulher, Maria, apesar de ser Mãe de Deus, não deixou ser humana. Por isso, precisou caminhar na fé, sobretudo quando não compreendia o que nela estava se realizando: “Guardava esses fatos e meditava sobre eles em seu coração”. Portanto, apesar de ter sido chamada para ser mãe do Filho de Deus, não exigiu para si status que a colocasse acima dos outros seres humanos, pelo contrário, assumiu para si a condição de escrava do Senhor. Pois este Senhor, filho seu, também esvaziou-se de sua condição e fez-se servidor de todos. Mais uma confirmação da verdade da maternidade divina.
O sinal que os anjos indicaram aos pastores a fim de que pudessem reconhecer o Salvador foi justamente aquilo que fez a Mãe logo após dar à luz: “encontrareis um recém-nascido envolto em faixas deitado na manjedoura” (Lc 2,12). Nestes gestos da Mãe podemos ver uma profecia que anuncia quem é este recém-nascido. Envolvendo-o em faixas antecipa a sua morte, como a mulher de Betânia que ungindo os seus pés com perfume, prepara-o para a sepultura. A mãe depositando-o na manjedoura, prepara-o para ser alimento: carne e sangue dados para a salvação do mundo. Gestos que não se perderam no tempo, pois foram conservados como memorial do Filho no coração da sua Mãe: “guardava e meditava no coração”. Memorial que se atualiza em cada eucaristia celebrada pela Mãe Igreja obediente à Palavra do seu Salvador: “Fazei isto em minha memória” (Lc 22,19). Afirmar que Maria é Mãe de Deus é um dos modos mais coerentes de dizer que acreditamos que o homem Jesus, o seu filho, é Deus. Crer que Maria é Mãe de Deus é acreditar que a Eucaristia é verdadeiramente a carne e o sangue do filho de Deus, pois foi isto que Ele assumiu da humanidade para nos entregar a sua divindade.



Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana