Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo: Lc 2,1-14 - No silêncio de uma manjedoura, a Palavra que necessitamos ouvir

Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ

A noite santa do Natal do Senhor nos convida, na contracorrente do barulho ensurdecedor do mundo, a silenciar para ouvir a Palavra que pode nos fazer compreender o que nos traz a verdadeira felicidade e paz, palavras mais do que nunca ditas nessa noite quando trocamos nossos cumprimentos de boas festas. Apesar de todos os cenários das vitrines comerciais compostos pelo mundo do mercado para lembrar que o “natal do consumismo” chegou, só o evangelho é capaz de comunicar a verdade do Natal. Enquanto se vai ao natal do mercado para gastar, inclusive o que não se tem, na manjedoura tudo é dom gratuito, não é qualquer presente, mas a presença de Deus, que quis ser chamado Emanuel, Deus-conosco.  
Enquanto o decreto do Imperador confirmava o seu domínio político e econômico sobre todo “o mundo habitado”, pois com o recenseamento fazia-se o controle de pessoas e de seus respectivos bens, a palavra do Anjo do Senhor aos pastores: “Não tenhais medo! Eis que eu vos anuncio” (grego: euangelizomai: evangelizar) irrompe como palavra de libertação, a boa-nova da verdadeira paz; ao invés de um decreto autoritário que ordena, faz-se a proclamação da chegada de um novo tempo: “hoje nasceu para vós um Salvador”, marcando profundamente este novo início com uma alegria indizível não apenas para um pequeno grupo, mas “para todo o povo”. Nascendo em Belém, nas periferias do centro de poder religioso (Jerusalém) e distante do poder político (Roma), este recém-nascido é, na verdade, o herdeiro do seu pai Davi, o qual fora escolhido para ser rei por ser, antes de tudo, um pastor: “Escolheu a Davi, seu servo, tirou-o do aprisco das ovelhas; da companhia das ovelhas fê-lo vir para apascentar Jacó, seu povo, e Israel, sua herança” (Sl 78,70-71).
Se o dogma do Imperador tornava o povo apenas uma cifra numérica, fácil de manipular e explorar, a proclamação da Palavra do Cristo-Senhor, a Boa-nova, será dirigida a pessoas concretas, com suas caraterísticas, necessidades e condições reais: “Porque Ele me ungiu para evangelizar os pobres, enviou-me para proclamar a remissão aos presos e aos cegos a recuperação da vista, libertar os oprimidos e proclamar um ano de graça do Senhor” (Lc 4,18-19; Is 61,1-2). É Boa-nova que se contrapõe ao dogma imperial, pois denuncia a palavra oficial do imperador que torna os pobres cada vez mais pobres, com altos tributos e impostos, que reforça as cadeias dos presos, símbolo da incompetência de quem governa sem se comprometer com a edificação da fraternidade, mas apenas com os seus interesses espúrios, favorecendo somente condições para a marginalização e a criminalidade. 
Porém, é o recém-nascido que terá a Palavra misericordiosa capaz de libertar, no hoje de Deus, os presos de suas piores amarras, pois tem autoridade de afirmar: “Hoje mesmo estarás comigo no paraíso” (Lc 23,43). O decreto autoritário de César Augusto não produz nenhuma realidade de bem verdadeiro (Shalom) para o povo, pois mantém os dominados sob um forte aparato policial a fim de impedir toda e qualquer manifestação contrária à sua ordem estabelecida (Pax Romanae). Mas é a Palavra do recém-nascido que indicará o caminho para a verdadeira paz, a qual se constrói com atitudes concretas de compromisso com o Reino de Deus, e não com discursos evasivos e estéreis.
Neste mundo marcado pela violência do poder autoritário, da guerra de informações que cria o caos destruidor, das demagogias dos que querem se passar por benfeitores da humanidade com discussões cínicas e pérfidas, urge silenciar para ouvir o que o recém-nascido, no seu silêncio e no seu choro pueril, quer nos dizer. De fato, Ele é a nossa paz. E esta paz trazida pelo recém-nascido reclinado na manjedoura não se confunde com a paz da ideologia do império, pois não é sentimentalismo alienante, mas fogo trazido à terra, resultado de um batismo que recebeu, a sua morte na cruz (Lc 12,49-50). Paz como resultado de um conflito assumido, enfrentado e, portanto, vencido, mesmo que provoque divisão e separação: “Pois pensais que vim estabelecer a paz sobre a terra? Não, eu vos digo, mas uma divisão” (Lc 12,51). Destarte, o louvor dos anjos na noite de Belém: “Glória a Deus nas alturas, e paz na terra aos homens que ele ama”, não é expressão sentimental diante de uma cena romântica, mas anúncio profético de que Deus realizará o seu projeto plenamente quando o recém-nascido, envolto em faixas e reclinado na manjedoura, tiver sido “envolto num lençol e colocado numa tumba talhada em pedra” (Lc 23,53), e, vencendo a morte, Ele mesmo proclamará: “A paz esteja convosco” (Lc 24,36). Anúncio que não é um dogma de poderosos mundanos, mas manifestação da Glória do Onipotente das Alturas, que enviou o seu Filho, nascido entre nós, motivo e razão de grande alegria e que nos faz vencer todo medo. E meio a tantas indecisões, inseguranças, medo e temor, precisamos silenciar para ouvir no mais profundo do nosso coração: NÃO TENHAM MEDO! NASCEU PARA NÓS O SALVADOR!!!



Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana