IV Domingo do Tempo Comum: Lc 4,21-30 - A verdade que frustra o aplauso

Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ

Após a proclamação solene do texto de Isaías (61,1-2), com a finalidade de indicar a sua identidade (Cristo: ungido e consagrado pelo Espírito) e a sua missão (evangelizar os pobres), Jesus provoca naqueles que o escutavam na sinagoga de Nazaré, reações muito diversas que vão do aplauso à rejeição. Lucas diz que as pessoas estavam com os olhos fixos nele (4,20), certamente esperando que Ele fizesse alguma explicação do texto que acabara de ler. Porém, Jesus não fez nenhuma exegese da Escritura, nem muito menos uma longa pregação sobre a profecia de Isaías, pois era uma palavra-promessa que não exigia muitas explicações, apenas a sua realização. Por isso, Jesus faz apenas este comentário: “Hoje realizou-se essa Escritura que acabastes de ouvir”. Para um povo que vivia na expectativa de um amanhã que nunca chegava, ouvir esta afirmação “hoje” representava para ele a grande novidade trazida pelo profeta Jesus de Nazaré. Pois todos os profetas, até então, tinham proclamado as promessas de Deus, porém ficaram apenas na esperança e no desejo de que se realizassem, por isso Jesus afirma: “Muitos profetas e reis quiseram ver o que vós vedes, mas não viram, ouvir o que ouvis, mas não ouviram” (10,24).
O “hoje” na boca de Jesus é anúncio do irromper de um novo tempo, o tempo da realização das promessas de Deus. Lucas emoldura toda a sua mensagem com este “hoje”. Já desde o início, quando o Anjo do Senhor dirige-se aos pastores comunicando-lhes uma boa nova (evangelho): “Nasceu-vos hoje um Salvador” (2,11) até o anúncio que o próprio Salvador faz na cruz: “Hoje estarás comigo no paraíso” (23,43). E em muitas outras passagens ao longo do evangelho de Lucas vamos encontrar esse advérbio de tempo, com alcance teológico muito significativo para a sua concepção de história de salvação (ver 3,22; 5,26; 13,32.33; 19,5.9; 22,34; 24.21).  
Se para os profetas do Antigo Testamento a missão era justamente alimentar a esperança de que Deus um dia cumpriria suas promessas, com Jesus, inaugura-se o tempo de testemunhar que essas promessas estão se cumprindo. No primeiro momento, as pessoas se encantam com este anúncio, ficam até maravilhadas e reconhecem “as palavras cheias de encanto que saíam de sua boca”, mas à medida que relacionam as palavras encantadoras com a realidade daquele que as anuncia, isto é, Jesus, o filho do carpinteiro, conhecido por todos, portanto, nada de extraordinário, começaram a se escandalizar.
O grande escândalo era justamente ter que reconhecer que a Palavra se encarnou, não está num livro para ser apenas lida, mas está na vida, nas suas expressões mais “ordinárias”, para ser acolhida e assumida. Contudo, uma palavra que, por ser acontecimento, pode ser acolhida ou rejeitada, porém jamais destruída e anulada. É na simplicidade da vida que ela se torna presente e eficaz, fugindo de toda tentação de busca de aplausos e reconhecimento precipitados, pois estes confundem e seduzem, comprometendo a verdade daquilo que é. 
Tanto a viúva de Sarepta quanto o leproso Naamã testemunham a eficácia da Palavra, quando é acolhida com humildade e realismo. Por sua vez, estes personagens representam as pessoas que se deixam converter pela palavra (dos profetas Elias e Eliseu) os quais as ajudaram a vencer a arrogância e o orgulho de quem espera fatos extraordinários ou mesmo a impaciência e a desilusão que levam ao conformismo diante da dureza da vida. Contudo, aprenderam que Deus não age por meio de espetáculos extraordinários de uma religião de ritos mágicos e mecânicos (Naamã: “Invocará o nome de Javé seu Deus, agitará a mão sobre o lugar e me curará” 2Rs 5,11), nem deseja que as pessoas se conformem e se alienem num fatalismo espiritual (viúva: “tenho apenas um punhado de farinha... vou preparar esse resto...comeremos e esperaremos a morte ...” 1Rs 17,12).
A Palavra testemunha a sua verdade quando se encarna, não apenas quando encanta. O encantamento aprisiona na superficialidade, enquanto que a encarnação compromete, implica assumir consequências. Portanto, o verdadeiro profeta não espera que suas palavras sejam aplaudidas, mas que a Palavra de Deus seja acolhida e vivida, e para que isso se realize, é capaz de dar a própria vida.



Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana