IV Domingo da Quaresma: Jo 3,14-21 - A cruz não é palco!

Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ

Este quarto Domingo da Quaresma é também chamado “Domingo da Alegria” (Letarae), por isso rezamos na coleta desta missa: “concedei ao povo cristão correr ao encontro das festas que se aproximam cheio de fervor e exultando de fé”. O evangelho de hoje nos apresenta a razão fundamental da alegria do cristão, enraizada e alimentada na contemplação da maior prova de amor do Pai pela humanidade: “Pois Deus amou tanto o mundo que deu o seu Filho unigênito, para que não morra todo o que nele crer, mas tenha a vida eterna”. E esta prova tem um sinal visível, imprescindível e irrefutável: “É necessário que o Filho do homem seja levantado”, isto é, o Cristo crucificado: “loucura para os pagãos, escândalo para os judeus” (1Cor 1,23).
Olhar para o Crucificado, reconhecendo-O vitorioso só é possível para quem crê que Ele ressuscitou. Portanto, recusar contemplar o Cristo crucificado, apelando para a justificativa de que já ressuscitou, é privar-se da experiência que leva a compreender o que significa amar até os extremos. Afirmar simplesmente que alguém ressuscitou não evidencia inequivocamente a causa da sua morte, mas proclamar a sua morte de cruz por amor é a única razão para não duvidar da sua ressurreição, pois um amor que aceita sofrer pelo amado até morrer é tão indestrutível que permanecer na morte seria um terrível sinal de que não era verdadeiro amor, pois o amor é eterno, não morre para sempre. E quem crê nesse amor “não é condenado, passou da morte para a vida”. 
A loucura e o escândalo da cruz, ao longo da história do cristianismo, têm provocado muitas resistências, inclusive entre os cristãos, dentre os quais, como o próprio Paulo denuncia, “há muitos... que são inimigos da Cruz de Cristo”. A dificuldade de reconhecer a cruz como sinal de vitória e pensar que o Cristo é vitorioso só com a sua ressurreição é uma das mais sutis heresias presentes em todos os tempos, inclusive no nosso, pois não pode haver um Cristo de dupla personalidade, esquizofrênico, cuja vida e morte culminam num falimento do qual a cruz é sinal, e, por outro lado, um Cristo ressuscitado, representado muitas vezes como o superman “voador”, sem cruz ou no máximo sobreposto a uma, mas dando impressão (“sob efeitos especiais”) que está escapando dela. O Cristo é um só e, portanto, na linguagem simbólico-litúrgica, tão necessária e cara à experiência humana, o Cristo crucificado não nega a sua ressurreição, mas evidencia o ato mais sublime da sua entrega: “Não há maior prova de amor do que dá a vida pelo amigo” (Jo 15,13). Na cruz, o Pai dá a sua maior prova de amor por nós, na ressurreição, o Pai confirma o seu eterno amor pelo Filho.
A cruz de Cristo não serve para fazer memória de um fracassado ou de alguém que fora derrotado, mas é a grande e inconfundível prova de que o amor venceu o ódio, a dor e a morte. Para podermos proclamar a ressurreição do Crucificado é necessário erguer a sua cruz vitoriosa: “para que todos os que nele crerem tenham a vida eterna”. Por conseguinte, abaixar a cruz ou mesmo retirá-la de diante de nós, sobretudo quando celebramos o mistério pascal, é a mais perigosa e ameaçadora investida contra a autêntica evangelização, é esvaziar o anúncio do evangelho, tornando-o apenas um recurso à sabedoria humana, adequando o nosso discurso às expectativas prazerosas dos ouvintes. Encobrir o sinal que nos dá a lucidez de que a Eucaristia é memorial do sacrifício redentor do Cordeiro Vitorioso (cf. 1Cor 1,17s) é transformar o altar em palco, onde artistas talentosos fazem a sua performance, atraem multidões, garantem o espetáculo e as palmas. Mas foi justamente isso que Jesus recusou, pois aqueles que estavam no calvário pediam um show: “Desce da cruz!”, “Salva-te a ti mesmo!”. Por isso, não combina muito ostentar uma cruz como pano de fundo de um palco, fica difícil fazer malabarismos, acrobacia e rebolados olhando para alguém pregado numa cruz, ou mesmo ter que dividir a cena com algo que denuncie nossas loucuras e delírios. Mais uma vez, Paulo enfrenta essa tentação quando denuncia aos gálatas: “Ó gálatas insensatos, quem vos fascinou, a vós ante cujos olhos foi desenhada a imagem de Jesus Cristo crucificado?” (Gl 3,1s). A insensatez dos que buscam a glória e a vitória (do ressuscitado) rejeitando o sinal inconfundível da luta e da batalha (do crucificado) configura a expressão mais alienada de quem se diz cristão, pois rejeitam a luz que vem da cruz: “os homens preferiram as trevas à luz”. No paradoxo da sombra da cruz e da luz do crucificado, nossas obras serão denunciadas. Não tenhamos medo de aproximar-nos da cruz, só assim as nossas obras manifestarão se são ou não realizadas em Deus. Pois “o céu ou esfera divina situa-se na cruz, onde o Pai está presente em Jesus e manifesta o seu amor. Daí que ser levantado signifique ao mesmo tempo sua morte e sua exaltação definitiva, a manifestação perene de sua glória, que é a do Pai” (17,1). Na cruz não falta nada, e por que resistimos tanto à sua presença entre nós?



Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana