III Domingo da Quaresma: Jo 4,5-42 - Do poço à fonte batismal

Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ

Os evangelhos dos dois primeiros domingos da Quaresma, nos três anos, estão sempre centrados em Cristo tentado e transfigurado; os outros três domingos preparam mais diretamente para o batismo ou à renovação das promessas na noite da Páscoa” (Cristo, festa da Igreja, pág. 268). Como estamos no ano A, cujo itinerário quaresmal sublinha mais o aspecto batismal, a começar deste III Domingo as perícopes evangélicas são eminentemente catequeses batismais (Samaritana, Cego de nascença, Ressurreição de Lázaro). É uma verdadeira síntese do significado do batismo como vida nova que brota do mergulho na morte e ressurreição de Cristo, que é a água viva, a luz do mundo, e a ressurreição e a vida.
Apesar de a liturgia deste Domingo destacar especificamente o encontro-diálogo de Jesus com a Samaritana, não podemos esquecer que na introdução do capítulo (4,1-2) aparece claramente o tema do batismo. Diante da riqueza inesgotável do texto, destacaremos apenas alguns dos seus elementos considerando a sua perspectiva de catequese batismal:
1. Batismo é dom gratuito: Jesus, chegando primeiro ao poço de Jacó, aguarda a mulher que vem pegar água; ele toma a iniciativa de lhe oferecer uma água superior àquela que ela pretende tirar. Apesar de ser a fonte de água viva, Jesus se coloca diante da Samaritana como um sedento: “Dá-me de beber”. Apresentar-se diante do outro, sobretudo quando há inimizade, na cultura do Antigo Oriente, era manifestar o seu desejo de reatar as relações, estabelecer a paz. Ademais, a sede de Jesus se revelará como desejo ardente de saciar a sede da mulher, de dar-lhe vida plena, que começa com a iluminação da sua história nem sempre exemplar, mas que será necessário reconhecer e assumir a fim de curar as feridas do seu coração preconceituoso e seus sentimentos de inferioridade: “Como tu judeu, pedes de beber a mim, que sou uma mulher Samaritana?” Pregado na cruz, Jesus mais uma vez confirma qual é, de fato, a sua sede (Jo 19,28). À Samaritana Ele promete a água viva. Na cruz Ele realiza essa promessa entregando o seu Espírito e, do seu coração traspassado, fazendo brotar água e sangue, símbolos do Batismo e da Eucaristia, os sacramentos que consolidam a missão e a identidade da Igreja, a sua esposa, a nova Eva, tirada do seu lado aberto, anunciada simbolicamente no encontro com a mulher Samaritana, chamada à fidelidade da Nova Aliança, firmada em espírito e em verdade.
2. Batismo é vida nova: ao prometer a água viva, Jesus desafia a Samaritana a ter uma vida nova. E, portanto, não haverá mais necessidade de voltar ao poço, não viverá mais como uma infiel, pois teve cinco maridos e o atual não era dela, não precisará mais de um cântaro para transportar água, pois nela se fará uma fonte de água jorrando para a vida eterna. Todo ser humano sedento de plenitude de vida, ao receber o dom do batismo, inicia um caminho conduzido pela palavra de Jesus e pela graça do Espírito Santo, a fim de que a vida nova recebida como dom não pereça. Contudo, deve abandonar os ídolos (maridos) para realizar os esponsais com o único Senhor, aquele que é o Senhor da vida. A vida nova recebida no batismo progride à medida que se cresce no conhecimento da pessoa de Jesus, pois essa vida nova significa configurar-se a Ele. Assim como a Samaritana foi amadurecendo na fé, partindo do reconhecimento preconceituoso de Jesus (tu, Judeu), passando por um processo de conversão, isto é, abertura de coração e mudança de atitudes, deixando-se orientar e corrigir (profeta) até a profissão de fé mais perfeita (Cristo), todo batizado, e não apenas os catecúmenos, precisa assumir na sua vida um permanente aprofundamento da pessoa de Jesus, crescendo nas convicções de segui-lo e de testemunhar a sua fé nele. Por isso rezamos no primeiro Domingo da Quaresma: “Concedei-nos, ó Deus onipotente, que, ao longo desta Quaresma, possamos progredir no conhecimento de Jesus Cristo e corresponder a seu amor por uma vida santa”.   
3. Batismo é fundamento da missão: na sua exortação apostólica Evangelii Gaudium n. 9, o Papa Francisco nos recorda: “O bem tende sempre a comunicar-se. Toda a experiência autêntica de verdade e de beleza procura, por si mesma, a sua expansão; e qualquer pessoa que viva uma libertação profunda adquire maior sensibilidade face às necessidades dos outros. E, uma vez comunicado, o bem radica-se e desenvolve-se. Por isso, quem deseja viver com dignidade e em plenitude, não tem outro caminho senão reconhecer o outro e buscar o seu bem. Assim, não nos deveriam surpreender frases de São Paulo como estas: ‘O amor de Cristo nos absorve completamente’ (2Cor 5,14); ‘ai de mim, se eu não evangelizar!’ (1Cor 9,16)”. Sem dúvida, esta foi a experiência da Samaritana e, portanto, deve ser a de todo batizado. A missão não é algo artificial que procura estratégias para impor aos outros ideias ou pensamentos pessoais ou de um grupo, mas é, antes de tudo, testemunho convicto: “Muitos samaritanos daquela cidade abraçaram a fé em Jesus por causa da palavra da mulher que testemunhava: ‘Ele me disse tudo o que eu fiz’”.
O percurso quaresmal reaviva em nós esta dinâmica própria do batismo, graça que nos é oferecida gratuitamente no sacramento e que compartilhamos gratuitamente na missão.



Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana