III Domingo da Páscoa: Jo 21,1-19 - O amor que transforma pescador em pastor

Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ

Nesses três primeiros Domingos da Páscoa temos lido os relatos das aparições de Jesus Ressuscitado aos discípulos. Porém, mais do que se fazer ver, Jesus está preparando e conduzindo os seus discípulos para a missão. Pois esta será o sinal mais convincente de que Aquele que morreu e foi sepultado está vivo e vai à frente dos seus. 
O capítulo 21 de João, considerado um acréscimo ao evangelho original, é uma belíssima e profunda reflexão do que significa o encontro da comunidade com o Ressuscitado, que nunca desiste de renovar-lhe a missão, a fim de que ela seja verdadeiramente a sua comunidade, as testemunhas da sua ressurreição.
Podemos identificar dois momentos nesse relato: a pesca dos sete discípulos e o diálogo entre Jesus e Simão Pedro. Pedro e os seis outros discípulos, símbolo da totalidade da Igreja, para cumprir plenamente a sua missão, precisam se converter de pescador em pastor. Pois o seu Mestre, um dia como pescador, os puxou para o seguimento, mas dando a vida por eles, revelou-se o verdadeiro pastor. Portanto, não basta apenas ser pescador, atrair, puxar, mas é preciso ser pastor, isto é, dar a vida. Não podemos reduzir a missão do Ressuscitado a um proselitismo de redes cheias, mas a missão se realiza quando há vida e vida em plenitude, pois este é o compromisso do pastor: “O Bom Pastor dá a vida pelas suas ovelhas” (IV Domingo).
A primeira cena (a pesca) prepara a conversão de Pedro. Ele, tomando a iniciativa e comandando a pesca, faz a experiência da humilhação: “Naquela noite não apanharam nada”. Técnica (de noite) e recursos (barca, redes) não foram suficientes para o sucesso. Além do mais, precisam reconhecer publicamente este fracasso: “Filhos, não tendes nenhum peixe? Responderam: NÃO”. Assim é a missão que se apoia em si mesmo, fechando-se na sua autorreferencialidade. Sem o reconhecimento da presença do Ressuscitado, a pesca continuará sem frutos. Uma vez reconhecida esta presença, não é mais o pescador que dá as ordens, mas agora é o Pastor-cordeiro, morto e ressuscitado (“Já tinha amanhecido e Jesus estava de pé na margem”), que indica a direção da missão: “Lançai a rede à direita da barca e achareis”. Na obediência (escuta atenta) à palavra de Jesus, não apenas conseguiram apanhar peixes, mas fizeram a descoberta da sua presença: “Então o discípulo a quem Jesus amava disse a Pedro: ‘É o Senhor!’” . O discípulo amado, mais uma vez, precede a Pedro (20,4), porém o ajuda a chegar onde ele chega primeiro. Simão Pedro dá mais um passo na sua conversão: “Pedro ouvindo que era o Senhor, vestiu a roupa, pois estava nu e lançou-se a si mesmo no mar”. Três atitudes fundamentais no processo de conversão de Pedro: ouvir, vestir-se e lançar-se. Pedro ouviu a Boa Notícia: “É o Senhor!”, vestiu-se (reconhecendo que estava nu como Adão depois do pecado) e atirou-se ao mar: retornou para o Mestre. Tanto o verbo “lançar as redes” como o “atirar-se de Pedro” são o mesmo (grego: balo). Lançando-se ao mar, prepara-se para a sua fundamental mudança de pescador que lança redes, para pastor que se entrega a si mesmo (lançou-se a si mesmo) pelas ovelhas. 
Assim como o discípulo amado, ao chegar primeiro ao sepulcro, permite que Simão Pedro entre antes dele, agora anunciando que era o Senhor, impulsiona Pedro a chegar primeiro lá onde Jesus estava. Pedro, abandonando a barca, vai até Jesus nadando. De pescador, torna-se peixe, assim como para aprender a ser pastor, deve reconhecer-se também ovelha entre as ovelhas do redil do Mestre, para aprender a amá-las verdadeiramente.
A segunda cena (ceia e diálogo) confirma a conversão do pescador Simão Pedro, agora tratado como ovelha para aprender a ser pastor. O convite para a refeição: “Vinde comer!” é sinal de que o anfitrião é verdadeiramente Pastor, aquele que “conduz as ovelhas para os prados verdejantes, restaura as forças e prepara uma mesa à frente dos inimigos” (Sl 22). É justamente nessa refeição que Jesus não apenas refaz as forças dos fatigados pescadores, mas restaura-lhes a vocação e a missão de pastor: “Apascenta as minhas ovelhas”. Contudo, a conversão é um processo contínuo; as três perguntas feitas a Pedro indicam um longo caminho a seguir. Nas duas primeiras, Jesus pergunta se Pedro o ama e a prova maior desse amor é dar a vida (grego: “agapas me?”). Pedro de forma muito honesta, apesar de humilhante, pois não tendo ainda dado a vida por Jesus, pode responder apenas: “Eu te quero bem” (grego: “filo se”). Considera-se amigo de Jesus, está a caminho de morrer por Ele, mas ainda não o fizera. 
Na terceira vez, Jesus acolhe a resposta honesta de Pedro, e transforma-a em pergunta: “Tu me queres bem?” Sentindo a dor de um amor não pleno (filia: amizade), Pedro não pode negar e, mesmo aflito (grego: lupeo), assume absolutamente a sua verdade: “Senhor, tu sabes tudo, tu sabes que eu te quero bem”. Mesmo havendo dito: “Darei a minha vida por ti” (Jo 13,37), por três vezes, naquela mesma noite, declarou não ser discípulo dele rejeitando a possibilidade de dar a vida pelo Mestre, de provar que o amava plenamente (Jo 18,17.25.27). Porém, no encontro com o Ressuscitado, apesar da sua dor profunda diante da consciência de não ter ainda amado o Mestre até os extremos, Simão Pedro é renovado na sua esperança de provar seu amor perfeito ao ouvir o misericordioso convite: “Segue-me”, não mais para ser pescador de homens, mas para dar a vida como fez o seu Bom Pastor.



Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana