II Domingo da Páscoa: Jo 20,19-31 - A misericórdia: ressurreição de todo o Corpo

Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ

Este Domingo da Oitava de Páscoa não apenas encerra o primeiro ciclo do Tempo Pascal, mas reforça o que significa a Páscoa na sua totalidade: Ressurreição do Corpo de Cristo: Cabeça e seus membros. Na manhã do primeiro dia da semana, as mulheres e os discípulos fazem a descoberta do sepulcro vazio. O que aconteceu? (Tiraram, roubaram o corpo de Jesus do sepulcro?!) A Palavra da Escritura “segundo a qual ele devia ressuscitar” (Jo 20,9) destrói toda a ambiguidade das possíveis interpretações. Porém, enquanto a ressurreição da Cabeça não for ressurreição, também, dos membros do seu corpo, túmulos ainda permanecerão fechados. 
Ao anoitecer daquele mesmo dia” não é mais o sepulcro o lugar da experiência da ressurreição, pois já fora iluminado com o surgir do Sol. Contudo, a urgente e necessária experiência da vitória sobre a morte deve acontecer em outros sepulcros, a começar pelo cenáculo, onde a comunidade do crucificado está escondida, em meio às trevas do anoitecer, símbolo de uma fé vacilante ou inexistente. Se a porta do sepulcro de Jesus está definitivamente aberta, é porque lá Ele não está mais, porém se há ainda portas trancadas, há ainda mortos que jazem em sepulcros. Portanto, é preciso que a mesma força que abriu o sepulcro de Jesus também escancare as portas do esconderijo dos seus seguidores, transformado pelo medo da morte em prisão mortal. A ressurreição de Jesus não é uma realidade puramente individual, mas deve alcançar todos os membros do seu Corpo. Pois se na sua morte todos foram sepultados, na sua ressurreição, todos ressurgirão.
A perícope do evangelho de hoje nos apresenta os passos da alegre experiência da comunidade do Sepultado, escondida e medrosa, que se torna a comunidade do Ressuscitado, revestida de força e enviada em missão. 
O grande desafio para a comunidade ressuscitar é reconhecer a centralidade do Cristo: “Jesus, pondo-se no meio deles”. É no encontro com o Ressuscitado que a comunidade faz a experiência da sua ressurreição, vencendo a sua inclinação autorreferencial. Ela não pode pensar-se mais importante do que o seu Senhor, e deve reconhecer que sem Ele, faz-se apenas a experiência da frustração, do medo e da morte. Como nos lembra o Papa Francisco: “Somente graças a este encontro – ou reencontro – com o amor de Deus, que se converte em amizade feliz, é que somos resgatados da nossa consciência isolada e da autorreferencialidade. Chegamos a ser plenamente humanos, quando somos mais do que humanos, quando permitimos a Deus que nos conduza para além de nós mesmos a fim de alcançarmos o nosso ser mais verdadeiro. Aqui está a fonte da ação evangelizadora. Porque, se alguém acolheu este amor que lhe devolve o sentido da vida, como é que pode conter o desejo de o comunicar aos outros?” (EG 8).
Vencendo a tentação de uma comunidade egocêntrica, recebe-se o primeiro e fundamental dom do Ressuscitado: “A paz esteja convosco!”. Porém, a paz tem uma fonte inconfundível: “Mostrou-lhes as mãos e o lado”. O Discípulo Amado, testemunha da morte e da manifestação do Ressuscitado, sublinha na sua tradição que não há dois senhores: um que morreu, e outro que apareceu. Mas é o mesmo: aquele que fora crucificado, cujas mãos estão perfuradas e o lado traspassado. É ele o único que pode desejar e dar a verdadeira paz: “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou como o mundo dá” (Jo 14,27). Portanto, não podemos compreender esta Paz (Shalom), como uma simples e usual saudação, mas dita pelo Cordeiro imolado é o anúncio de um novo tempo, a reconciliação entre Deus e a humanidade. Paz que é fruto da missão de Jesus, mas que é entregue à sua comunidade, para que também ela seja anunciadora e fazedora da Paz: “Assim como o Pai me enviou, também eu vos envio”.
Porém, esta missão não é puro esforço e empenho humano, mas dom: “Recebei o Espírito Santo”. É a força do alto que sustenta a comunidade; assim como na primeira criação, Deus sopra nas narinas do homem, tirado da terra, a fim de que se torne um ser vivente, na nova criação, o Homem Novo sopra sobre aqueles que devem ser tirados do sepulcro, para que tenham vida nova. O sopro do Espírito no princípio fecundou as águas preparando toda a obra da criação, com a ressurreição do Senhor, o sopro do Espírito purifica dos pecados a fim de que a graça do perdão seja assegurada a quem dela se reconhece necessitado. 
Tomé ausente, símbolo daqueles que abandonam a comunidade para procurar o seu próprio esconderijo, talvez para se sentir mais seguro, voltando agora para o seio da comunidade, demonstra uma incredulidade honesta, mas ao mesmo tempo prepara-se para assumir uma fé lúcida: “Se eu não vir em suas mãos o lugar dos cravos e se não puser o meu dedo ... e minha mão no seu lado, não acreditarei”. O pecado de Tomé não está na sua necessidade de crer de forma coerente, em outras palavras, ele exige: “Se o Senhor que dizeis ter visto, não for o mesmo que morreu na cruz, não acreditarei”. Sem dúvida, este deve ser o critério fundamental para nós ainda hoje, pois apagar as marcas da cruz do Cristo ressuscitado é perigoso, ele poderá ser facilmente confundido. Porém, a fraqueza de Tomé está no querer ser o critério individual para crer: “Se eu não...”. Quando a comunidade professa a fé na ressurreição do mesmo Cristo-Senhor que foi crucificado, morto, sepultado, fá-lo como membros de seu Corpo, vencendo toda tentação de individualismos e exclusivismos espirituais. A fé na ressurreição do Senhor é testemunhada por todo o seu corpo ressuscitado, e não apenas por algumas partes mutiladas. Que o Tempo Pascal nos ajude a abandonar o nosso sepulcro e fazer a experiência da Misericórdia que ressuscita todo o Corpo.



Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana