Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Este Domingo da Oitava de Páscoa não apenas encerra o primeiro ciclo do Tempo Pascal, mas reforça o que significa a Páscoa na sua totalidade: Ressurreição do Corpo de Cristo: Cabeça e seus membros. Na manhã do primeiro dia da semana, as mulheres e os discípulos fazem a descoberta do sepulcro vazio. O que aconteceu? (Tiraram, roubaram o corpo de Jesus do sepulcro?!) A Palavra da Escritura “segundo a qual ele devia ressuscitar” (Jo 20,9) destrói toda a ambiguidade das possíveis interpretações. Porém, enquanto a ressurreição da Cabeça não for ressurreição, também, dos membros do seu corpo, túmulos ainda permanecerão fechados. “Ao anoitecer daquele mesmo dia” não é mais o sepulcro o lugar da experiência da ressurreição, pois já fora iluminado com o surgir do Sol. Contudo, a urgente e necessária experiência da vitória sobre a morte deve acontecer em outros sepulcros, a começar pelo cenáculo, onde a comunidade do crucificado está escondida, em meio às trevas do anoitecer, símbolo de uma fé vacilante ou inexistente. Se a porta do sepulcro de Jesus está definitivamente aberta, é porque lá Ele não está mais, porém se há ainda portas trancadas, há ainda mortos que jazem em sepulcros. Portanto, é preciso que a mesma força que abriu o sepulcro de Jesus também escancare as portas do esconderijo dos seus seguidores, transformado pelo medo da morte em prisão mortal. A ressurreição de Jesus não é uma realidade puramente individual, mas deve alcançar todos os membros do seu Corpo. Pois se na sua morte todos foram sepultados, na sua ressurreição, todos ressurgirão.A perícope do evangelho de hoje nos apresenta os passos da alegre experiência da comunidade do Sepultado, escondida e medrosa, que se torna a comunidade do Ressuscitado, revestida de força e enviada em missão. O grande desafio para a comunidade ressuscitar é reconhecer a centralidade do Cristo: “Jesus, pondo-se no meio deles”. É no encontro com o Ressuscitado que a comunidade faz a experiência da sua ressurreição, vencendo a sua inclinação autorreferencial. Ela não pode pensar-se mais importante do que o seu Senhor, e deve reconhecer que sem Ele, faz-se apenas a experiência da frustração, do medo e da morte. Como nos lembra o Papa Francisco: “Somente graças a este encontro – ou reencontro – com o amor de Deus, que se converte em amizade feliz, é que somos resgatados da nossa consciência isolada e da autorreferencialidade. Chegamos a ser plenamente humanos, quando somos mais do que humanos, quando permitimos a Deus que nos conduza para além de nós mesmos a fim de alcançarmos o nosso ser mais verdadeiro. Aqui está a fonte da ação evangelizadora. Porque, se alguém acolheu este amor que lhe devolve o sentido da vida, como é que pode conter o desejo de o comunicar aos outros?” (EG 8).Vencendo a tentação de uma comunidade egocêntrica, recebe-se o primeiro e fundamental dom do Ressuscitado: “A paz esteja convosco!”. Porém, a paz tem uma fonte inconfundível: “Mostrou-lhes as mãos e o lado”. O Discípulo Amado, testemunha da morte e da manifestação do Ressuscitado, sublinha na sua tradição que não há dois senhores: um que morreu, e outro que apareceu. Mas é o mesmo: aquele que fora crucificado, cujas mãos estão perfuradas e o lado traspassado. É ele o único que pode desejar e dar a verdadeira paz: “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou como o mundo dá” (Jo 14,27). Portanto, não podemos compreender esta Paz (Shalom), como uma simples e usual saudação, mas dita pelo Cordeiro imolado é o anúncio de um novo tempo, a reconciliação entre Deus e a humanidade. Paz que é fruto da missão de Jesus, mas que é entregue à sua comunidade, para que também ela seja anunciadora e fazedora da Paz: “Assim como o Pai me enviou, também eu vos envio”.Porém, esta missão não é puro esforço e empenho humano, mas dom: “Recebei o Espírito Santo”. É a força do alto que sustenta a comunidade; assim como na primeira criação, Deus sopra nas narinas do homem, tirado da terra, a fim de que se torne um ser vivente, na nova criação, o Homem Novo sopra sobre aqueles que devem ser tirados do sepulcro, para que tenham vida nova. O sopro do Espírito no princípio fecundou as águas preparando toda a obra da criação, com a ressurreição do Senhor, o sopro do Espírito purifica dos pecados a fim de que a graça do perdão seja assegurada a quem dela se reconhece necessitado. Tomé ausente, símbolo daqueles que abandonam a comunidade para procurar o seu próprio esconderijo, talvez para se sentir mais seguro, voltando agora para o seio da comunidade, demonstra uma incredulidade honesta, mas ao mesmo tempo prepara-se para assumir uma fé lúcida: “Se eu não vir em suas mãos o lugar dos cravos e se não puser o meu dedo ... e minha mão no seu lado, não acreditarei”. O pecado de Tomé não está na sua necessidade de crer de forma coerente, em outras palavras, ele exige: “Se o Senhor que dizeis ter visto, não for o mesmo que morreu na cruz, não acreditarei”. Sem dúvida, este deve ser o critério fundamental para nós ainda hoje, pois apagar as marcas da cruz do Cristo ressuscitado é perigoso, ele poderá ser facilmente confundido. Porém, a fraqueza de Tomé está no querer ser o critério individual para crer: “Se eu não...”. Quando a comunidade professa a fé na ressurreição do mesmo Cristo-Senhor que foi crucificado, morto, sepultado, fá-lo como membros de seu Corpo, vencendo toda tentação de individualismos e exclusivismos espirituais. A fé na ressurreição do Senhor é testemunhada por todo o seu corpo ressuscitado, e não apenas por algumas partes mutiladas. Que o Tempo Pascal nos ajude a abandonar o nosso sepulcro e fazer a experiência da Misericórdia que ressuscita todo o Corpo.
Dom André Vital Félix da Silva, SCJBispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CEMestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana
Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana