Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor: Mt 21,1-11 e 27,11-54 - Quem é este Rei desarmado que abala a terra?

Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ

A liturgia deste Domingo, introduzindo-nos na “Grande Semana”, faz-nos reviver in memoriam a entrada em Jerusalém de Jesus, o Rei manso e humilde; é uma profecia em ato para anunciar a sua vitoriosa ressurreição. Mas também nos faz mergulhar profundamente no mistério de sua paixão e morte de cruz, condição sem a qual não teria nenhum sentido nem eficácia a celebração da sua ressurreição. Pois proclamar a ressurreição de alguém cujo sofrimento e a morte para nós são apenas vagas informações, visto que não nos tornamos participantes dessa sua dura realidade, não passaria de uma experiência artificial e alienante. Contudo, a celebração do Mistério Pascal não é simplesmente uma festa horizontal onde celebramos as nossas vitórias, mas é, antes de tudo, proclamação da vitória de Deus que nos alcança. Ele que não abandonou o seu Filho à morte, mas o ressuscitou, encoraja-nos a lutar pela vida, crendo que a morte foi destruída e, no seu Filho morto e ressuscitado, temos a garantia da nossa ressurreição. 
A tentação de dar um salto para a manhã da ressurreição, evitando a tarde do calvário e a noite do sepulcro, é uma das piores traições que se pode cometer contra o Mestre, que não desceu covardemente da cruz nem contornou o sepulcro, mas entregou a sua vida para que tivéssemos vida, e vida em plenitude. Hoje infelizmente há uma forte tendência entre nós de esvaziamento das expressões simbólico-litúrgicas da celebração da Paixão e Morte do Cordeiro vitorioso, tão caras ao povo de Deus que, na sua naturalidade e espontaneidade religiosa, não tem dificuldade de sintonizar-se com o mistério da dor do Cristo, assumindo-a como sua, para alegrar-se com a sua ressurreição, garantia da sua. Por causa de um racionalismo devastador do universo simbólico, muitos eclesiásticos negam ao povo o direito de contemplar a dor e o sofrimento do Bom Jesus dos Passos, beijar a sua cruz, solidarizar-se com a Mãe Dolorosa, que recebe nos braços o seu filho morto e o deposita no sepulcro. Será que a motivação é simplesmente evitar que se caia no risco de um sentimentalismo alienante? Para além das indiscutíveis e legítimas preocupações diante de desvios da finalidade pedagógica da liturgia e de práticas devocionais, a resistência em colocar-se diante do homem das dores (1ª Leitura) é sintoma de um medo de ter que assumir também o seu caminho. Assumindo a nossa condição, Jesus nos fez participantes da sua dignidade de Filho de Deus, obediente até a morte de cruz (2ª Leitura), por isso “se com ele morremos, com ele reinaremos”. 
A entrada de Jesus em Jerusalém deixa a cidade agitada; as aclamações da multidão que o seguia, provocam uma pergunta: “Quem é este homem?” As pessoas tomadas de entusiasmo respondem: “Este é o profeta Jesus, de Nazaré da Galileia”. Porém, não são os seus gritos frenéticos que dirão quem ele é, mas é o próprio Jesus que, com o seu silêncio e suas poucas palavras, dará a resposta definitiva sobre a sua identidade e sua missão. 
Mateus constrói a narração da paixão e morte de Jesus tendo presente esta pergunta. Os vários personagens tentam responder. Pilatos perguntando: “Tu és o rei dos Judeus?” não escuta de Jesus uma resposta, mas a repetição do que acabava de dizer. Isto é uma tentativa de levar Pilatos à consciência do que estava perguntando. Sendo um pagão, não saberia nunca o que significa, segundo as Escrituras, o Rei dos Judeus, o ungido de Deus (Mashiah). Respondendo sim ou não, Jesus não tiraria a dúvida de Pilatos, por isso o seu silêncio. Em seguida, Pilatos quer que o povo responda que tipo de Rei eles preferem: Jesus de Nazaré ou Jesus Barrabás (em alguns manuscritos o nome de Barrabás é composto com Jesus). Mais do que um prisioneiro famoso, Barrabás é simbolicamente o falso messias (aramaico Bar: filho; Abbá: pai). Enquanto pedem a liberdade para Barrabás, o assassino, o falso “filho do Pai”, gritam a morte para Jesus, que é o “Deus que salva”. Por sua vez, Simão cirineu não é obrigado apenas a dar uma ajuda ao condenado, mas também ele deve responder quem é Jesus: é o mestre cujo discípulo deve estar disposto a aceitar a carregar também a sua cruz e seguir seus passos (Mt 16,24). Quatro grupos manifestam a sua ignorância diante de Jesus: os soldados do governador que escarnecem da sua realeza; os transeuntes que injuriam a sua divindade; os sumos sacerdotes que ridicularizam a sua humanidade (filho de Deus encarnado), e, por fim os ladrões que o insultavam. 
Não são as palavras de Jesus dirigidas a nenhum desses grupos que vão confirmar quem ele é. Mas aquilo que Ele diz ao Pai: “Meu Deus, meu Deus por que me abandonaste?”  Certamente, essas palavras são as mais escandalosas que podemos ouvir de Jesus. Mas é fundamental considerar duas coisas para evitar conclusões precipitadas. Antes de tudo, é uma pergunta diante das injúrias, blasfêmias e insultos; pois todos estão afirmando que Deus o abandonou. Ademais, essas palavras iniciam o Salmo 21 (22), que rezamos na liturgia de hoje, portanto, o evangelista supõe que seus leitores conheçam o salmo completo. Não é um salmo de desespero, mas de confiança inabalável em Javé: “Sim, pois Ele não desprezou, não desdenhou a pobreza do pobre, nem lhe ocultou sua face, mas ouviu-o, quando a ele gritou” (Sl 21,25). Assim como ao entrar em Jerusalém toda a cidade ficou agitada, agora toda a terra se abalou por ocasião de sua morte, por isso, o centurião proclamará: “Ele era mesmo o Filho de Deus”.  
Reviver os passos da paixão, morte e ressurreição de Jesus neste tempo solene é mergulhar no seu mistério, a fim de responder à pergunta fundamental: “Quem é esse homem?”. Caso contrário, não acreditaremos que ele é verdadeiramente o Filho de Deus; sem assumir a sua cruz, não participaremos de sua ressurreição.



Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana