Domingo de Ramos: Lc 19,28-40 e Lc 22,14-23,56 - A morte que nos desata para ressurreição

Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ

A Liturgia do Domingo de Ramos, chamado também de maneira muito apropriada de Domingo da Paixão, abre a grande Semana fazendo memória da entrada messiânica de Jesus na sua cidade, Jerusalém, e da sua paixão e morte. O Domingo de Ramos é, portanto, a síntese introdutória de tudo aquilo que será vivenciado no decorrer da Semana Santa: o anúncio e a realização do Mistério Pascal.  
Ao entrar triunfalmente em Jerusalém, Jesus profetiza a vitória da sua ressurreição. Ressurreição da qual participaremos se tomarmos a decisão de segui-lo não apenas na sua entrada em Jerusalém, com palmas e cantos de louvor, mas se continuarmos a sua caminhada até a cruz. Seguindo os seus passos até o fim, dele ouviremos a proclamação definitiva do seu triunfo: “Hoje estarás comigo no paraíso”.
A narração da entrada de Jesus em Jerusalém, revestida de um simbolismo inesgotável, nos introduz de modo profundo no mistério da sua paixão, morte e ressurreição. Todos os gestos e palavras de Jesus sublinham o caráter profético desta entrada. É uma verdadeira síntese de todo o evangelho de Lucas: “Jesus caminha à frente dos seus discípulos subindo para Jerusalém”. Este caminho para Jerusalém é o itinerário traçado por Lucas para falar da missão de Jesus que se consumará com a sua morte na Cidade Santa. Indo à frente dos discípulos, Jesus indica o caminho que devem seguir. Caminho que não pode ter desvios, caso contrário, não se encontrará a cruz e, portanto, nada se cumprirá. 
Com a sua morte e ressurreição, o Senhor nos liberta das amarras do pecado e da morte. Tanto as Sagradas Escrituras como os Padres da Igreja utilizam o simbolismo animal (theriomórfico) para indicar aspectos da vida do ser humano, sobretudo os seus impulsos desordenados: “Não queiras ser semelhante ao cavalo, ou ao jumento, animais sem razão; eles precisam de freio e cabresto para domar e amansar seus impulsos, pois de outro modo não chegam a ti” (Sl 31,9). Orígenes, comentando a passagem de Lucas que narra a entrada de Jesus em Jerusalém, afirma: “Muitos eram os donos desse jumentinho, antes que o Senhor precisasse dele, mas depois que o Senhor se tornou o seu dono, deixaram de ser vários os seus senhores. Quando somos escravos da maldade, estamos sujeitos às paixões e aos vícios... Vós sois o jumentinho! Em que o filho de Deus precisa de vós? Que espera ele de vós? Ele precisa de vossa salvação, ele quer vos desatar dos laços do pecado” (Orígenes, Homilia 37).
Neste gesto profético, Jesus anuncia qual o significado de sua entrega: libertar de todas as amarras, que aprisionam o ser humano e lhe tiram a dignidade. Contudo, os seus acusadores deturparam esse gesto e o interpretaram: “Achamos esse homem fazendo subversão entre o nosso povo, proibindo pagar impostos a César e afirmando ser ele mesmo Cristo, o rei”. Não foram capazes de ler o gesto de Jesus; não reconheceram que as características fundamentais desse rei eram a humildade e a mansidão, como afirma o profeta Zacarias: “Eis que o teu rei vem a ti: ele é justo e vitorioso, humilde, montado sobre um jumentinho... Ele anunciará a paz” (Zc 9,9.10). Diferentemente do cavalo, animal utilizado para a guerra, o jumento era símbolo do tempo de paz. Portanto, Jesus montando num jumento não abdica de sua realeza, mas indica que tipo de rei é. Após a sua ressurreição dirá aos seus discípulos: “A paz esteja convosco!” (Lc 24,36), realizando aquilo que no seu nascimento os anjos anunciaram: “Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens que ele ama!” (Lc 2,13). Aclamação semelhante àquela do povo ao receber Jesus entrando em Jerusalém: “Bendito o que vem, o Rei, em nome do Senhor! Paz no céu e glória no mais alto dos céus!” 
Porém, logo em seguida, o gesto dos discípulos e da multidão que: “Puseram seus mantos... e a multidão dos discípulos, aos gritos e cheia de alegria, começou a louvar a Deus...” será, por um momento, abafado pelos gritos dos sumos sacerdotes e dos mestres da Lei com o brado: “Crucifica-o! Crucifica-o!".
Este rei, humilde e pacífico, será injustamente julgado como um malfeitor. A sua humilhação será tamanha a ponto de ser considerado mais digno de morte do que o próprio homicida Barrabás, que: “havia sido preso por um motim na cidade e por homicídio”. 
No caminho do calvário, porém, as pedras começam a gritar através do lamento das mulheres que batem no peito. A palavra que Jesus dissera antes: “Se eles se calarem, as pedras gritarão” se inspira no Profeta Habacuc: “Sim, da parede a pedra gritará, e do madeiramento as vigas responderão” (Hab 2,11). No contexto histórico do profeta, corresponde à irresistível reação de quem, mesmo não tendo nenhum status jurídico ou força moral para mudar uma situação, vence a indiferença e denuncia a injustiça. 
Diante do acontecimento, não é possível ficar calado. Ou depõe-se contra ou a favor. Os malfeitores suspensos à cruz, também não são indiferentes diante da condenação do rei dos judeus, e por isso, optam por insultá-lo ou declará-lo injustiçado. Contudo, é a sua atitude de absoluta confiança em Deus na hora de sua morte: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” que extirpará toda a dúvida: “Verdadeiramente este homem era justo!”  Percorrer os passos da paixão e morte de Jesus nesses próximos dias só será possível se dermos o primeiro passo: deixarmo-nos desamarrar por ele de tudo aquilo que nos amarra aos senhores desse mundo. Caso contrário, não sermos alcançados pela força de sua ressurreição. Se ele não ficou aprisionado no sepulcro, mas ressuscitou, foi para que não permaneçamos atados na nossa estribaria.



Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana