Comemoração dos Fiéis Defuntos: Lc 12,35-40 -  esperança do encontro vence o desespero do fim

Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ

Neste dia em que celebramos a comemoração dos nossos entes queridos falecidos, os fiéis defuntos, a Igreja nos convida a realizar uma das 7 obras de misericórdia espirituais que expressa verdadeiramente a nossa caridade para com eles, isto é, a oração de sufrágio. A nossa fé nos faz crer que para Deus nada é impossível, por isso podemos a Ele elevar nossas preces por aqueles que já morreram e que, tendo merecido a graça de purificar-se, entrarão na glória do céu. 
Marta, irmã de Lázaro, pensava que Jesus não podia fazer mais nada por seu irmão, uma vez que o encontrou já morto e sepultado. Mas o próprio Senhor afirma que aqueles que têm fé Nele não serão privados do seu poder, ainda que estejam mortos: “Eu sou a ressurreição e a vida, todo aquele que crê em mim ainda que esteja morto viverá, e todo aquele que vive e crê em mim não morrerá para sempre” (Jo 11,25-26). 
Se a lógica humana e as especulações filosóficas não são capazes de abrir horizontes post-mortem, a fé não impõe limites, mas nos faz confiar no amor Daquele que nos criou para amar-nos com amor eterno (cf. Jr 31,3). 
A riqueza da Palavra de Deus proclamada neste dia (liturgia da Palavra à escolha para três missas pelos defuntos) nos permite refletir sobre a verdade fundamental da nossa existência, que não se encaminha para a fatalidade de um fim, mas se alimenta pela esperança que nos garante um encontro com Aquele cuja morte e ressurreição nos asseguram que, na nossa morte, a vida não nos é tirada, mas transformada e alcança plenitude e felicidade eterna.
O ensinamento de Jesus no evangelho de hoje abre-nos a compreensão para a necessidade de nos dirigirmos para esse encontro preparando-nos permanentemente pela fé que atua pela caridade: “Que vossos rins estejam cingidos e as lâmpadas acesas”. 
A preparação para o encontro com o Senhor não nos deve apavorar a ponto de ficarmos paralisados, inertes, aguardando com terrorismo e desespero esse momento, mas como evidencia a linguagem simbólica, ter os rins cingidos significa estar prontos para o serviço, pois no mundo antigo ter os rins cingidos permitia levantar um pouco a túnica para facilitar o trabalho, a caminhada e a luta. Em muitas culturas antigas se distinguia o cadáver de um escravo quando esse era encontrado ainda tendo o cinto em torno. Portanto, sinal forte que indica atitude de serviço, prontidão e disponibilidade. 
Contudo, a fiel preparação não se resume apenas à prestação de serviço altruísta, qualquer serviço em benefício de outrem, mas é acompanhado com a luz da lâmpada que não se apaga, isto é, a iluminação da fé que garante, ainda que não se saiba ao certo a hora, a vinda do Senhor. Na espera iluminada pela fé não pesa mais o saber, o momento da chegada: “Caso Ele chegue à meia-noite ou às três da madrugada”, mas a certeza que chegará e encontrará os servos de prontidão, eis a razão da bem-aventurança final e eterna: “Felizes se assim os encontrar”.
Surpreende a conclusão da parábola quando o próprio Senhor assume o trabalho dos servos que o esperavam: “Ele mesmo vai cingir-se, fazê-los sentar à mesa e, passando, os servirá”. Assim, também, pela fé temos a certeza de que o encontro definitivo com o Senhor será surpreendente, como ensina São Paulo: “Aquilo que os olhos não viram nem os ouvidos ouviram nem o coração humano concebeu, isso Deus preparou para os que o amam” (1Cor 2,9).



Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana