Ascensão do Senhor: Mt 28,16-23 - O Mestre sempre presente

Por: Dom André Vital Félix da Silva, SCJ

A Solenidade da Ascensão do Senhor nos coloca diante de um divisor de águas: a conclusão da missão de Jesus e o início da missão da comunidade do Ressuscitado. Contudo, não se pode falar de um ponto final para Jesus e uma estaca zero para os discípulos, pois tanto a missão de Jesus quanto a missão dos seus discípulos são a mesma, isto é, o anúncio do evangelho como convite à conversão e a implantação do Reino dos céus como prática da justiça. Tendo cumprido a sua missão com fidelidade até as últimas consequências, passando pela morte e ressureição, Jesus volta para o Pai, de quem recebeu “toda a autoridade no céu e na terra”, porém não se distancia e abandona os seus discípulos, mas pelo contrário, assegura-lhes sua permanente presença a fim de que eles sejam capazes de cumprir a missão recebida. 
Mateus conclui o seu evangelho sintetizando tudo aquilo que Jesus fez e ensinou e, ao mesmo tempo, traça o perfil essencial da missão dos discípulos, ou seja, o que eles também devem fazer e ensinar. 
Assim como Jesus iniciou a sua missão vindo para a Galileia: “Ele voltou para a Galileia... Começou a pregar: ‘Convertei-vos, porque está próximo o Reino dos céus’” (Mt 4,17), do mesmo modo, os seus “discípulos caminharam para a Galileia”. Ir para a Galileia não significa apenas um deslocamento geográfico, mas a condição exigida para encontrar-se com Jesus, isto é, assumir a sua missão, refazer o seu caminho, estar disposto a seguir os seus passos até a cruz: “Quem quiser me seguir tome a sua cruz e me siga” (Mt 16,24). Jesus começando a sua missão na Galileia realiza aquilo que fora prometido no Antigo Testamento: “Galileia das nações! O povo que vivia nas trevas viu uma grande luz; aos que jaziam na região sombria da morte, surgiu uma luz” (Mt 4,16; cf. Is 8,23-9,1). Ao partir da Galileia, a periferia do mundo judaico, terra desprezada e considerada impura, Jesus anuncia a grande e verdadeira revolução que o evangelho propõe: a salvação universal de Deus dirigida a todos os povos, sem exclusividade, conforme a promessa feita a Abraão: “Em ti serão abençoadas todas as nações” (Gn 12,3).
Porém, apesar de consciente de ser povo escolhido, Israel descuidou-se da sua missão de luz para as nações e considerou-se povo exclusivo, tornando-se incapaz de conduzir os outros povos à fraternidade universal; perdeu a lucidez de que a sua missão não era proselitismo, isto é, transformar todos os povos em um só, mas a missão de Israel era de ser instrumento de Deus para que todos os povos fossem iluminados e descobrissem a sua vocação à vida plena. Jesus no evangelho de Mateus denuncia esse pecado de Israel: “Ninguém acende uma lâmpada para colocá-la debaixo da mesa, mas no candelabro e assim ela brilha para todos os que estão na casa” (Mt 5,15). Por isso, enviando os seus discípulos, Jesus anuncia-lhes que a missão não se restringe a um povo de privilegiados, mas deve se dirigir a todos sem exceção. A Igreja (ekklesia: chamada para fora) é essencialmente missionária, portadora de uma missão universal; perdendo essa sua dimensão fundamental, cai no perigo da autorreferencialidade, e deixa de cumprir a sua missão com fidelidade, renuncia a sua identidade e trai a sua missão.  
Mateus faz questão de afirmar que o ponto de partida na Galileia é “o monte que Jesus lhes tinha indicado”. Não é apenas uma indicação topográfica, mas faz referência ao monte do grande ensinamento de Jesus: “Vendo as multidões, Jesus subiu ao monte. Ao sentar-se, aproximaram-se dele os seus discípulos. E pôs-se a falar e os ensinava, dizendo...” (Mt 5,1s). No dito “Sermão da Montanha” (Mt 5-7), Mateus condensa todo o ensinamento de Jesus; portanto, tudo o que os discípulos devem anunciar não pode ser diferente daquilo que aprenderam do Mestre. É significativo que, no fim do sermão da montanha, Mateus afirme: “Aconteceu que ao terminar Jesus estas palavras, as multidões ficaram extasiadas com o seu ensinamento, porque as ensinava com autoridade e não como os seus escribas” (Mt 7,28s). Portanto, com esta mesma autoridade, Jesus envia agora os seus discípulos: “Toda a autoridade me foi dada... Ide, pois, e fazei que todas as nações se tornem discípulos”.
A autoridade de Jesus se diferencia daquela dos mestres da Lei do seu tempo porque o seu ensinamento é corroborado pela coerência de suas atitudes. Apesar de serem autorizados legitimamente, os mestres da Lei não tinham autoridade moral junto ao povo, e foram denunciados pelo próprio Jesus: “Não imiteis as suas ações, pois dizem, mas não fazem” (Mt 23,3). Eles também percorriam o mar e a terra para fazer um prosélito, mas quando conseguiam conquistá-lo, o tornavam mais digno da geena do que eles próprios (cf. Mt 23,15s). Portanto, não basta apenas ir por todos os lados para conquistar pessoas para a religião, é preciso que o anúncio da boa notícia da salvação seja um testemunho mais eloquente do que as palavras e, consequentemente, desperte no coração das pessoas que encontrarmos o desejo de mergulhar na vida nova cuja fonte é o próprio Deus: “Batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”.
Fazer discípulo não é conquistar clientes, convencendo-os a fidelizar-se pois garantirão vantagens e privilégios, mas o anúncio do evangelho como proposta de vida é, antes de tudo, compartilhar os valores fundamentais da vida a fim de que a justiça do Reino se realize e manifeste a salvação de Deus, que quer que todos conheçam a verdade e tenham vida em plenitude. 
A missão do Ressuscitado, elevado aos céus, confiada aos seus discípulos de todos os tempos só se realiza quando não se perde a consciência de que ser discípulo Dele é estar em permanente aprendizado uma vez que o próprio Mestre prometeu: “Eis que estou convosco todos os dias até a consumação dos séculos”.



Dom André Vital Félix da Silva, SCJ
Bispo da Diocese de Limoeiro do Norte – CE
Mestre em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana